Foto / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

A luta contra o crime não é brincadeira. Os resultados demoram a aparecer, exigem altos investimentos e uma gestão firme. Mas os fracassos e retrocessos são mais rápidos e, muitas vezes, disparados por um simples sinal, uma simples frase.

É o caso do famoso “não tô nem aí”, do governador de São Paulo, o carioca Tarcísio de Freitas. Ele respondia a questionamento sobre denúncias de abusos cometidos pela Polícia Militar durante a Operação Verão, realizada na Baixada Santista.

A frase completa: “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

O escolhido do governador para cuidar da segurança pública no estado, o capitão da reserva da PM Guilherme Derrite, colocou a cereja no bololô com a seguinte resposta ao ser perguntado sobre o número de mortos nos quatro meses da operação:

“Olha, eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta. Infelizmente são 56. Pra mim, o ideal é que não fosse nenhuma, mas no mundo real em que a gente vive, a negligência do combate ao crime organizado no Brasil e no estado de São Paulo chegou num ponto que qualquer viatura policial vai sofrer disparo de arma de fogo”.

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Percebeu o poder que as duas frases, ditas por duas autoridades do principal estado do país, têm para provocar retrocesso na política de segurança pública paulista e de outros estados? Pois é, não é para menos que o portal de notícias g1 publicou que “as mortes cometidas por PMs subiram em 86% no 1º trimestre de 2024, o segundo ano de mandato do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos)”.

E a mexida de Derrite na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo promete não parar no aumento do número de mortos, vai avançar na própria estrutura de comando da PM. O secretário, ao que parece, pretende substituir todos os oficiais comandantes, a maioria contrária à sua política. As mudanças já começaram.

Nunca é demais lembrar que o capitão Derrite foi retirado do efetivo da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) devido ao grande número de confrontos e mortos em suas missões. Perguntado sobre isso, Derrite saiu-se com a frase preferida dos justiceiros: “A real? [Saí da Rota] Porque eu matei muito ladrão”.

Já abordei aqui no SuperBairro esses “sinais” que prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores têm enviado a quem votou neles em eleições passadas e a quem eles querem convencer em eleições futuras. Clique [aqui] para reler. Isto tem sido mais comum entre políticos identificados com a direita e a extrema direita, enquanto, do outro lado, os da esquerda e da extrema esquerda parecem ter sido picados pela tsé-tsé, a mosca do sono.

O problema dessas frases de efeito, projetos malucos e rompantes autoritários é que, em política, isso é visto como algo quase natural, ainda que seja deprimente, mas quando esses sinais chegam à vida real, o perigo também se torna real e imediato. É o que tem acontecido na área da segurança pública, onde “sinais” podem multiplicar mortes e levar a retrocessos em resultados obtidos à custa de muito esforço.

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Nos últimos 20 anos, desde 2004, houve redução de 64% nos casos de latrocínio –roubo seguido de morte– no estado de São Paulo. Essa conquista não foi obtida com o aumento da violência policial. Pelo contrário: o estado estava nas mãos do “picolé de chuchu” Geraldo Alckmin. Ou seja, foi uma redução obtida com respeito aos direitos do cidadão, seja ele inocente, suspeito ou flagrado cometendo crime.

Por tudo isso, é preocupante um aumento de 86% no número de mortos pela PM neste primeiro trimestre; é preocupante uma operação de quatro meses em uma região geograficamente limitada, como a Baixada Santista, terminar com 56 mortos –uma operação iniciada, é bom lembrar, quase como uma vingança por um policial morto no Guarujá; é preocupante assistir a um vídeo mostrando um PM fardado batendo na cara de uma mulher em uma plataforma do Metrô de São Paulo, como se fosse um mero cafajeste de boca do lixo.

Estamos iniciando um período de campanha eleitoral. Ao que parece, será uma campanha de nível minimamente acima do esgoto. Por isso mesmo é preciso que os políticos que estão ocupando cargos, principalmente no Poder Executivo, tenham consciência de que os sinais que projetam para os eleitores são captados também por outros públicos, como é o caso dos policiais militares, que devem estar comentando com seus colegas:

– Agora vale tudo, o “hômi” disse que não tá nem aí!

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.

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