Uso de câmeras corporais pelos soldados da PM paulista transforma-se em questão eleitoral. Foto / PM de São Paulo/Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Não, não vou falar de trânsito hoje. O assunto é a política e os políticos. E o destaque é a nova moda no Brasil: sinalizar para a direita. É isso, parece que todo candidato a qualquer cargo resolveu surfar na onda que coloca algumas ideias da direita como tendo caído no gosto popular, principalmente, é claro, da população mais conservadora –mas também de parte dos indecisos.

Não é preciso lembrar que o ícone do direitismo neste país, neste passado recente, foi –e em boa parte ainda é– o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nós tivemos quatro anos de sinais diários dele e dos seus colegas para o eleitor de direita.

Alguns desses sinais: defesa da liberação das armas, o negacionismo da ciência na questão da covid-19, o negacionismo dos efeitos das queimadas na Amazônia no clima, a tese mais ou menos explícita de que “bandido bom é bandido morto”, os rótulos de “lixo” e “golpista” para a mídia e por aí vai… a lista é quase interminável.

Bem, passou Bolsonaro –será que volta?–, o “capitão” afastou-se um pouco das páginas de política da imprensa para ocupar as de polícia, e o “day after” chegou. Com ele, ficaram os pretendentes ao espólio bolsonarista ou, de forma ainda mais ampla, do direitismo ideológico. E agora temos sido obrigados a seguir uma sequência interminável de “sinais” sendo enviados para esses eleitores que quase deram um segundo mandato para a gente “jair se acostumando”.

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Vamos começar com aquele de quem muito se esperava, ou talvez ainda se espere: o ex-ministro e atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). O homem até que começou bem. Logo no início do seu governo, o mundo caiu em São Sebastião e ele fez o que um militar costuma fazer bem, reagiu com rapidez para socorrer as vítimas e já iniciou a construção de moradias para quem ficou desalojado.

Tarcísio fez isso e quase nada mais. Hoje, faz um governo que ainda não disse muito bem a que veio, limitando-se ao básico, ao dia a dia. Politicamente, até que começou bem, dando a entender que a criatura (Tarcísio) estava se descolando do criador (Bolsonaro).

Mas a turma bolsonarista mostrou que o seu barco não seria abandonado tão facilmente e pressionou o governador. Daquela época em diante, Tarcísio não se cansa de enviar os tais sinais à direita. Um deles, foi dar o nome do direitista radical coronel Erasmo Dias a uma obra viária no interior. Até aí, nada grave, apenas cutucou a esquerda com uma homenagem a um membro do regime militar que existiu no Brasil entre 1964 e 1985. Outro sinal é a privatização da Sabesp a toque de caixa, podendo mexer em um setor vital para os paulistas, o saneamento básico.

Porém, há sinais ainda mais sérios, que trazem consequências graves, como tem ocorrido na área da segurança pública. Não contente em nomear o ex-agente da Rota Guilherme Derrite como secretário, Tarcísio comprou a briga em relação ao uso de câmeras nos uniformes dos soldados da PM em serviço, uma providência defendida em nome do combate ao abuso policial e em respeito aos direitos humanos.

Depois de apresentar uma queda de 80% na letalidade policial em 19 dos 131 batalhões paulistas após um ano de implantação das câmeras nos uniformes de policiais desses batalhões, parece que tudo voltou a ser como antes. Números divulgados pela própria Secretaria de Segurança Pública, no último dia 26, mostraram um aumento de 86% no número de pessoas mortas por policiais militares em serviço no terceiro trimestre deste ano.

Enquanto isso, o governador Tarcísio usa a questão das câmeras como um assunto eleitoral, o que é lamentável. E é bom que se diga, o sinal que faz para o seu eleitorado mais radical, atende aos apelos de uma minoria. Pesquisa nacional realizada pelo Instituto Opinião apontou que 82,4% dos que foram ouvidos concordam com o uso das câmeras corporais. A dúvida que fica é: será que agradar tanto assim à extrema direita é suficiente para alimentar os projetos de Tarcísio reeleger-se, ou, mais do que isso, tentar a sucessão de Lula (PT) em 2026?

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Lembrando que os afagos ao eleitorado de direita não têm sido exclusividade de Tarcísio. O governador mineiro Romeu Zema (Novo) tem sido useiro e vezeiro nessa prática, tendo chegado a colocar o Sul/Sudeste contra o Nordeste em uma de suas declarações desastradas. O filhão Eduardo Bolsonaro (PL) também não deixa por menos, chegando a propor aos argentinos se armarem, o que lhe valeu um corte abrupto de uma entrevista ao vivo na TV e uma zoação da “mídia podre” hermana.

Até aqui em São José dos Campos, onde o prefeito Anderson Farias (PSD) também tem pretensões eleitorais, os acenos à direita têm acontecido. Foi o caso da tal Marcha da Maconha, cujo pedido de realização caiu no colo do prefeito, que de imediato gravou uma “live” dizendo, em outras palavras, que “essa porcariada de maconha e esses maconheiros não entram aqui em Sanja de jeito nenhum!”.

Não adiantou nada esbravejar, porque o direito à marcha era constitucional e, no dia marcado, havia um “batalhão” de advogados da OAB local acampado na praça Afonso Pena para garantir a manifestação. O mesmo direito constitucional, aliás, foi usado dias depois para uma marcha contra o aborto, mais encorpada e melhor organizada, que levou centenas de pessoas à frente do Parque Vicentina Aranha e avenidas do entorno. Tudo legal, tudo compreensível, tudo normal.

Como você já percebeu, novos acenos, tchauzinhos, “ois” e gestos parecidos vão continuar acontecendo por parte dos candidatos de olho nas eleições de 2024 e 2026. Até aí, normal. Mas pede-se aos políticos que, se possível, mantenham seus acenos aos eleitores no campo das ideias. Quando esses acenos significam mais mortes nas ruas, sejam de culpados, sejam de inocentes –até porque quem decide isso é a Justiça, não a polícia–, aí a coisa passa do limite.

Oquei, capitão Tarcísio?

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

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