Foto / Google/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Estava eu sossegado, estendendo a minha varinha de bambu em direção a um pequeno córrego, na tentativa de pegar um peixe. Isso no bairro da Água Soca, zona rural de São José dos Campos, anos atrás. De repente, meu saudoso sogro gritou para mim:

− Cuidado com a cobra!

Eu olhei para baixo e vi, aterrado, a danada da serpente enrolada, aos meus pés, a no máximo uns dez centímetros. O instinto fez com que eu me afastasse para trás. A cobra se mexeu, desenrolando e atravessou o córrego em sentido contrário: era uma venenosa jararacuçu de cerca de um metro e pouco.

Fiquei sem ação e assustado, justo eu que, desde que fui mordido por bendito cachorro na infância, não tenho um relacionamento muito amigável com os animais.

Resolvemos procurar outro lugar. Aí foi meu sogro quem deu de cara com outra cobra.  Desistimos, não era nosso dia, voltamos para casa, antes passando na vendinha para tomar umas cervejas.       Foi uma experiência ruim, mas rara em pescaria, esclareço desde logo. É muito agradável a atividade, que aqui em São José era bem praticada. Aliás, a cidade foi notabilizada, em passado já longínquo, por possuir lagoas com muitos peixes, distribuídas nessa grande várzea do rio Paraíba.

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Moço de cidade grande, só depois de casado aprendi com meu sogro os rudimentos da pescaria, o bastante para acompanhá-lo, respeitoso, às incursões à beira do rio. O velho era veterano em caça e pesca, tinha apetrechos para as duas atividades, uma bela coleção de apitos, espingarda, além de cachorros.

O que sei é que por muito tempo o acompanhei nas pescas. Foi uma época em que enchiam as represas da região e a pesca à beira dos barrancos era farta. Represas de Santa Branca, Jaguari e Paraibuna eram bem frequentadas.

Recordo-me de um episódio prosaico, não exatamente sobre pesca, porém sobre essas andanças no meio rural, do qual meu sogro era pessoa bem conhecida. Certo feita, quando voltávamos da pescaria, paramos num armazém à beira da estradinha de terra. Estávamos nos encaminhando para saborear a cervejinha gelada, acompanhada por mortadela em cubinhos regados a limão, quando meu sogro de súbito parou para conversar com um velhinho que estava ali à beira, sentado num toco de árvore. Parecia muito velho, magrinho, barba e cabelos brancos e ralos, um visual de desamparo.

O sogro dirigiu-se a ele com familiaridade, saudando-o: − Ô fulano, tudo bem? Contudo, o idoso se levantou e fez menção de ir embora. Olhava para nós desconfiado, em clara atitude defensiva. Assim ficou por um bom tempo, parecia desassossegado. Daí o sogro chamou-o pelo nome, que não me lembro mais, no sentido de se identificar: − Ei, fulano, não se lembra mais de mim? Sou eu, o Penha.

Ao ouvir isso e velhinho fixou os olhos embaçados no interlocutor e acabou dando um meio sorriso sem dentes, exclamando com expressão de alívio: − Ah, é você, Penha, eu pensei que fosse um inimigo meu.

Até hoje não consigo imaginar como uma pessoa simples daquela poderia ter inimigo em ermas paragens e naquela idade. Nem meu sogro, o velho Dito Penha, conseguiu entender: afinal, quem poderia representar qualquer ameaça àquele ancião?

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Mas, voltando às pescarias, como era bom chegar em casa com o balaio cheio de peixes, já entrevendo aqueles lambaris fritinhos acompanhando a cerveja gelada! Que saudades dos lambaris do rabo vermelho pescados na represa de Paraibuna. Muitas vezes não pescávamos nada e o consolo era parar no bar e mandar fritar um peixinho para acompanhar a bebida. Outros tempos.

No entanto, quando vínhamos repletos de peixes e a mulher já olhava torto e verberava:

− Tudo bem, seu doutor, mas pode aproveitar para ir lidar com isso lá fora no tanque. Não vou limpar peixe nenhum!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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