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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Não sei se é coincidência ou não, mas todas as vezes que madruguei para caminhar ou pedalar à beira-mar, tive oportunidade de ver grupos de golfinhos nadando, pulando. Coisa mais bonita!

São esses momentos raros em que a gente dá uma pausa para apreciar e concluir que a natureza é maravilhosa. Se estivermos atentos, sempre seremos presenteados com cenas lindas como a brincadeira matinal dos golfinhos.

Quando recebo hóspedes em casa, uma caminhada bem cedinho até a orla faz parte da programação oferecida. Com um pouco de sorte e muita atenção, os golfinhos fazem o espetáculo.

Fico tão encantada com esses animais e quero tanto compartilhar esse encantamento que, certa tarde, caminhando e olhando bem ao longe do horizonte do mar, vi uma movimentação em bando. Chamei a atenção de alguns turistas na calçada: “Vejam os golfinhos! Eles sempre aparecem por aqui!”, disse, orgulhosa.

Os turistas, claro, foram contagiados pela minha alegria. Da vovó ao menorzinho, todos sorriram com a surpresa de ver golfinhos. “Em Minas não se vê isso, né?”

Pois é. Mas o mico que paguei estava por vir. Um rapaz sentado na mureta da praia olhou bem para o mar e desmanchou o prazer coletivo. “Não é golfinho não! É um grupo grande de nadadores que está treinando!”

Não sei por que ainda resisto aos óculos para distância! Talvez para ver golfinhos onde eles não estão e também para pagar micos históricos como esse. Mas o que valeu foi a presença de espírito da família. Nenhum deles ficou convencido de que eram nadadores. A mãe das crianças ainda disse, determinada a não se frustrar: “Quando chegar em Minas, vou contar pra todo mundo que vimos golfinhos!”.

Gostaria de acreditar que o ser humano aperfeiçoou sua consciência ecológica e que a convivência com seres de outras espécies está cada vez mais pacífica e respeitosa. Mas isso é ilusão. As notícias de hoje são as mesmas que as de antigamente.

Em 1994, um golfinho nariz de garrafa, desgarrado de seu grupo, apareceu em Caraguatatuba, virando atração. Toda manhã, na Prainha, ele era cercado por turistas e moradores locais. Chegou a ser chamado de Tião, porque, segundo os que vivenciaram os fatos, as primeiras aparições dele foram em São Sebastião.

Tião ficou famoso e virou notícia em TV, jornais e revistas. Até a conceituada revista Times (EUA) destacou o golfinho, com flagrantes fotográficos incríveis da minha amiga jornalista Adriana Coutinho.

Pena que a história não teve um final feliz. De curiosidade, atração e entretenimento, Tião passou a ser tratado pela mídia como assassino. Estressado pelo assédio e pelas brincadeiras agressivas, o golfinho começou a revidar atacando os agressores com sua cauda.

Pelas notícias da época, 29 pessoas foram agredidas e um homem foi morto, com hemorragia interna. Segundo o Ibama, Tião agredia para se defender. Óbvio. Nem precisaria o Ibama atuar como advogado de defesa de Tião.

Certo é que o contato do ser humano com animais selvagens não é recomendável, mas insistimos em transgredir a natureza e avançar no que é mais sagrado. Depois de tanta tragédia, Tião desapareceu.

Alguns dizem que, tempos depois, seu corpo apareceu na areia com um palito de sorvete espetado em seu respirador. Outros contam que a morte foi encomendada porque o comportamento agressivo do golfinho passou a afugentar turistas.

É uma pena que, dessa história triste, haja quem enxergue o golfinho como vilão. Enquanto for assim, a raça humana estará condenada.

 

> Márcia Regina de Paula é jornalista (MTb nº 20.450/SP) há 37 anos. Mora em Caraguatatuba há quatro anos, depois de ter vivido por 28 anos em São José dos Campos.