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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Tenho em boa estima os lugares por onde passei, vivi, criei raiz. Lastro de uma amizade sedimentada, uma experiência vivida, um aprendizado, um namorico e até um sufoco que pelo resto da vida martela, alertando para que a gente não caia de novo em igual esparrela.

São lugares comuns ou inusitados. No meu caso, bairros e ruas onde morei, empresas em que trabalhei, escolas onde estudei, o clube que frequentei, os locais de convivência social, a praça do footing e até a perua Kombi que me levou para estudar em Mogi, tendo ao volante o atento Geraldo, que nunca mais vi.

Pois outro dia este pardal aproveitou a “deixa” da visita à filha num apartamento na Itororó, bem em frente onde morou a Marcinha, colega jornalista, para dar um giro pelo Jardim Paulista e adjacências, de boas raízes. Fui a pé. Para desengrumar e na esperança de, com um pouco de sorte, encetar uma prosa com Maria ou José.

Carro na garagem do prédio, consultei Tico e Teco –meus dois ouriçadíssimos neurônios– e decidi com eles o trajeto a fazer, de forma a não me alongar. Uma hora estava de bom tamanho. Por um motivo muito simples: este à toa não tinha dado a saber o seu plano de voo à patroa.

Devagar Itororó abaixo, atinando para os detalhes do pedaço que conheci bem, constatei grande mudança. O lugar ficou calmo, quase ermo, não fosse pelo vaivém dos ônibus do outro lado, no terminal, onde um dia foi campo de terrão do brilhante Corinthinha, de Pato, Miltinho, Fidélis, Pedro Bala, craques de então.

Exceto por um tapa de modernização, a rodoviária continua do mesmo jeito. Na entrada o busto incólume do advogado e jornalista Frederico Ozanam –que dá nome ao terminal– parece acolher o viajante anônimo. Homenagem do vereador João Moura ao benemérito, nos idos 1980.

Alcancei o Piratininga num pulo. Só espiei, não entrei, tal o formigueiro. Mais adiante, na Riachuelo, detive-me diante de um bar onde, da calçada oposta observei o boteco muquifado, e ri sozinho, feito bobo.

Explico. Tempos atrás parei ali numa sexta-feira após o expediente para um rega-bofe à base de pé-de-porco, sarapatel e cerveja. Eu e mais três. Depois de me empanturrar decidi comprar uma pizza no Augustos para não chegar em casa só com o bafo. Imitou-me um dos convivas, que achou boa a ideia.

Até aí nada de mais! A não ser pelo fato de que o tal tinha que pegar o ônibus na JK para a região Leste equilibrando a pizza nas mãos. Como o ônibus parou lotadaço, ele espremeu-se entre os passageiros e foi embora. A pizza? Dobrou e levou embaixo do braço.

Na esquina das avenidas Pedro Álvares Cabral e Brasil topei com o Tatá, que, sempre que me vê, lembra de uma foto da classe do tempo em que vestíamos calças curtas, no grupo escolar. Como é prolixo e falante, encurtei o papo e rapei fora, sem ser deselegante.

Segui até a metade da Brasil e quebrei rumo ao Jussara. Antes de passar ao lado do Martins Pereira –de boas lembranças– encontrei-me com o Batata, um primo fora do prumo. Rodeei o Jardim São José sob os fios de alta tensão e alcancei o Roldão. Entrei…

Menos para comprar algum produto; mais para matar as bichas saudosas do tempo em que ali funcionou o maior e mais bem produzido jornal do Interior de São Paulo. Passos lentos, percorri o último e longo corredor, olhar atento, na expectativa de capturar um único sinal do passado não tão distante.

Recostei num freezer de carnes, olhei por uma porta abre e fecha, e disse para o Teco. Estou na redação, entre as mesas do diagramador e do editor. Primeira página por fechar, comecei a afastar as mesas para dar lugar, no comecinho da madrugada, a um jogo de futebol com bola de papel feita com as fitas do telex. A gente fazia jornal brincando. Literalmente.

Quanto a você que pacientemente me acompanhou até aqui, que tal ajudar a colocar as mesas da redação no lugar? Dentro de pouco tempo os repórteres e redatores da manhã começam a pintar aqui, e minha mulher já ligou furiosa querendo saber onde foi que me meti.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.