Foto / Prefeitura de Caraguatatuba/Arquivo

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

No imaginário geral, morar no litoral significa muito sol, cervejinha gelada, “um mar que não tem tamanho e um arco-íris no ar”. Só mesmo morando a poucos metros da praia para entender que a maior fonte de preocupação é esse mar que não tem tamanho.

A informação recente de que um gigantesco iceberg se desprendeu da Antártica, formando o maior pedaço de gelo flutuante do planeta, me tira o sono!

Na minha cabeça, funciona assim: o mar não tem tamanho, estando ora aqui, ora ali. E para estar dentro da minha casa, só precisa um iceberg de 170 km de comprimento, por 25 km de largura para desequilibrar todo o sistema e fazer transbordar a maré.

Caraguatatuba vem travando uma histórica queda de braço contra a força do mar há algum tempo. Um trecho de rodovia Manoel Hipólito do Rego (SP-55), no bairro Massaguaçu, constantemente é atingido por fortes ressacas, colocando em risco o trânsito na estrada e os pedestres.

Na semana passada, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) deu início a mais uma obra de recuperação da orla e de parte da pista. A última ressaca, ocorrida em abril, foi devastadora, destruindo um grande trecho da calçada e boa parte do acostamento.

Para mais um round contra o mar, serão gastos 9 milhões de reais e, como a obra ficará pronta dentro de seis meses, esperamos que Netuno segure sua ira até que tudo esteja arrumado.

Mas essa luta, como já disse, é antiga. Em 2015, a Prefeitura chegou até a construir, nesse mesmo trecho, um belíssimo deck de 450 metros para que todos pudessem apreciar a beleza do mar. No mesmo ano em que foi entregue, 2016, o mar mandou a ressaca avisar: “Aqui não!”.

Mas não é coisa da humanidade entender recados da natureza. Em caráter de emergência, a recuperação foi feita com reforços de concreto na fundação do deck e tudo o mais.

No ano seguinte, novo recado, pela mesma portadora, a ressaca: “O espaço é meu. Aqui não!”. E a obra reforçada foi literalmente por água abaixo.

Em 2019, o deck foi retirado para que, no final de 2020, tivesse início uma nova obra de recuperação. A Prefeitura de Caraguá chegou a solicitar ao Ministério Público Federal ações emergenciais que incluíam a ampliação do enrocamento, como são chamadas as paredes de pedra próprias para fazer a contenção das marés.

As obras foram iniciadas em novembro de 2020 e, em abril deste ano, bem… você já sabe. Veio a ressaca, furiosa, tentar mais uma vez se fazer entender. E é aí que entra o DER com novas obras, além de uma quantia enorme de dinheiro.

Você pode perguntar: por que essa insistência em ocupar esse espaço que não é do ser humano? Não sei dizer. A Prefeitura tem um projeto para recuar a pista, afastando-a do trecho sempre atingido.

São 600 metros de estrada que só precisam dar um passinho para trás, deixando o mar a vontade para demonstrar sua fúria. É uma forma de ceder. Mas parece que optamos sempre pelo desafio e pelo enfrentamento.

O A-76, como foi batizado o iceberg que tem três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, está à deriva. É um pesadelo e tanto imaginar esse gigante chegando em nossa costa tropical, derretendo-se todo com o calor, elevando o nível do mar.

Morar na praia é isso. Encarar problemas locais e perder o sono com problemas globais. São questões que passam despercebidas por muitos, até por moradores do litoral. E la nave va.

 

> Márcia Regina de Paula é jornalista (MTb nº 20.450/SP) há 37 anos. Mora em Caraguatatuba há quatro anos, depois de ter vivido por 28 anos em São José dos Campos.