No imaginário geral, morar no litoral significa muito sol, cervejinha gelada, “um mar que não tem tamanho e um arco-íris no ar”. Só mesmo morando a poucos metros da praia para entender que a maior fonte de preocupação é esse mar que não tem tamanho.
A informação recente de que um gigantesco iceberg se desprendeu da Antártica, formando o maior pedaço de gelo flutuante do planeta, me tira o sono!
Na minha cabeça, funciona assim: o mar não tem tamanho, estando ora aqui, ora ali. E para estar dentro da minha casa, só precisa um iceberg de 170 km de comprimento, por 25 km de largura para desequilibrar todo o sistema e fazer transbordar a maré.
Caraguatatuba vem travando uma histórica queda de braço contra a força do mar há algum tempo. Um trecho de rodovia Manoel Hipólito do Rego (SP-55), no bairro Massaguaçu, constantemente é atingido por fortes ressacas, colocando em risco o trânsito na estrada e os pedestres.
Na semana passada, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) deu início a mais uma obra de recuperação da orla e de parte da pista. A última ressaca, ocorrida em abril, foi devastadora, destruindo um grande trecho da calçada e boa parte do acostamento.
Para mais um round contra o mar, serão gastos 9 milhões de reais e, como a obra ficará pronta dentro de seis meses, esperamos que Netuno segure sua ira até que tudo esteja arrumado.
Mas essa luta, como já disse, é antiga. Em 2015, a Prefeitura chegou até a construir, nesse mesmo trecho, um belíssimo deck de 450 metros para que todos pudessem apreciar a beleza do mar. No mesmo ano em que foi entregue, 2016, o mar mandou a ressaca avisar: “Aqui não!”.
Mas não é coisa da humanidade entender recados da natureza. Em caráter de emergência, a recuperação foi feita com reforços de concreto na fundação do deck e tudo o mais.
No ano seguinte, novo recado, pela mesma portadora, a ressaca: “O espaço é meu. Aqui não!”. E a obra reforçada foi literalmente por água abaixo.
Em 2019, o deck foi retirado para que, no final de 2020, tivesse início uma nova obra de recuperação. A Prefeitura de Caraguá chegou a solicitar ao Ministério Público Federal ações emergenciais que incluíam a ampliação do enrocamento, como são chamadas as paredes de pedra próprias para fazer a contenção das marés.
As obras foram iniciadas em novembro de 2020 e, em abril deste ano, bem… você já sabe. Veio a ressaca, furiosa, tentar mais uma vez se fazer entender. E é aí que entra o DER com novas obras, além de uma quantia enorme de dinheiro.
Você pode perguntar: por que essa insistência em ocupar esse espaço que não é do ser humano? Não sei dizer. A Prefeitura tem um projeto para recuar a pista, afastando-a do trecho sempre atingido.
São 600 metros de estrada que só precisam dar um passinho para trás, deixando o mar a vontade para demonstrar sua fúria. É uma forma de ceder. Mas parece que optamos sempre pelo desafio e pelo enfrentamento.
O A-76, como foi batizado o iceberg que tem três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, está à deriva. É um pesadelo e tanto imaginar esse gigante chegando em nossa costa tropical, derretendo-se todo com o calor, elevando o nível do mar.
Morar na praia é isso. Encarar problemas locais e perder o sono com problemas globais. São questões que passam despercebidas por muitos, até por moradores do litoral. E la nave va.
> Márcia Regina de Paula é jornalista (MTb nº 20.450/SP) há 37 anos. Mora em Caraguatatuba há quatro anos, depois de ter vivido por 28 anos em São José dos Campos.