Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Ao ensejo do Natal e da passagem de ano, religiosos ou não sempre fazem reflexões mínimas a respeito da vida e da morte, formulando metas e desejos para o ano novo. Caso da minha tia Filoca, rabugenta espirituosa de plantão:

− Já fiz minhas promessas de ano novo! Pensei muito, agora falta pouco para aprimorar minhas virtudes. Vou deixar de fumar, de falar mal da vida alheia e ser mais tolerante.

Como se diz por aí: me engana que eu gosto. Essa narrativa da tia, na sua pretensiosa tentativa de aperfeiçoamento, mais revela sua soberba, seu gênio imutável, além de alta dose de autoindulgência. Aliás, eu até a prefiro desta maneira, com seu espírito crítico e a rabugice, porém com seu humor divertido. Suaviza a vida.

Muita gente, a maioria talvez, faz uma lista de propósitos para o Ano Novo. Eu deixo correr para ver como é que fica, se vou continuar rumo ao céu, como desejo, ou se efetivamente estou a apontar para o inferno. Não sei.

Só sei que todos desejam ir ao encontro do Criador quando da morte, não do Capeta. Aqueles que não acreditam –desconfio–, ali no fundinho têm um medo de que, após bater as botas haverá um deus para puni-lo. Negam no nível consciente, no discurso racional, mas não conseguem extirpar a crença que se esconde no “outro”, o todo poderoso subconsciente, este que rege a nossa vida na maior parte.

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Alguns poucos dizem não acreditar em inferno, eu não cometeria e não cometo essa temeridade. O que gostaria, gente –se fosse o caso, fique claro–, seria ir pelo menos para o inferno no setor brasileiro, como na velha anedota.

Ah, o inferno brasileiro, com seu subdemônio brasuca legítimo na chefia e administração! Advirto que esse inferno é extremamente malvado e cruel. As torturas são terríveis, superando a célebre tortura chinesa. Também as da inquisição, ditatoriais de esquerda ou de direita, enfim, o suprassumo  da punição divina.

É o tanque de merda, em que o condenado fica imerso só com a cabeça para fora, na altura do queixo e de repente algum capetinha faz marola. É um forno no qual os pecadores são assados como pãezinhos, sem descanso remunerado. Cadeiras elétricas com choques medonhos da mais alta ou baixa voltagem, fritando os infelizes. Diabinhos de rosto monstruoso espetando os desterrados eternos com tridentes de aço em brasa. Piscinas de água fervendo, onde os malvados ficam mergulhados num põe-e-tira eterno. Em suma, um horror dos horrores.

Daí, perguntou-me, provocante, a tia Filoca:

− Zezinho, você diz acreditar que vai pro céu, mas que, se for para o inferno, prefere o brasileiro. Dizem que é muito rigoroso, os brasileiros são muito pecadores. Estou preocupada. Explica.

Expliquei:

− Sossegue, titia, fiquei sabendo que o tal inferno brasileiro é melhor, por fonte fidedigna. Todos os dias falta merda, porque a licitação corrupta foi anulada. Dia sim, outro também, não se acende o forno, pois não chegou a lenha para aquecê-lo. As cadeiras elétricas estão há muito desativadas por falta de luz. Não há água para ferver os condenados porque foi cortada, em tudo a chefia tinhosa embolsa a grana e não paga. E, quanto aos tridentes, eles estragaram por serem de má qualidade e não existe verba para comprar novos.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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