Foto / Márcia Regina de Paula

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. É dessa forma que grande parte dos turistas idealiza Caraguatatuba. Eu também acredito que nessas terras litorâneas temos mais palmeiras, que nesses céus vemos mais estrelas e que as várzeas daqui têm muito mais flores do que qualquer outro lugar.

Minha mãe sempre diz um velho ditado popular: “A grama do vizinho é sempre mais verde”. Não se trata de inveja, mas sim de um ideal a ser almejado. E sendo Caraguatatuba vizinha de São José dos Campos, vemos na cidade litorânea um paraíso facilmente alcançável, a poucos minutos de nós (quando não enfrentamos quilômetros de congestionamento).

Não é à toa que Caraguá aponta um dos maiores índices de migração entre os municípios de todo o país. Em 2010, o IBGE, que em breve existirá somente em nossa memória, graças à inanição financeira a que vem sendo submetido pelo governo federal, já indicava cerca de 16 mil migrantes por ano buscando a pequena faixa litorânea para ser seu lar.

Há cerca de três anos, conversando com o então secretário de Mobilidade Urbana e Proteção ao Cidadão do município, ele me fez observar: “Hoje à noite, olhe para o pé desses morros que cercam a cidade e, na semana seguinte, olhe novamente. Você verá sempre uma nova luzinha acesa, que antes não estava lá. Uma casinha que se ergue aqui, outra ali, e assim todos dias observamos a constante migração”.

E essas luzinhas que vemos são as que indicam que, além da ocupação natural e regular, vai ocorrendo também a desordenada, irregular. Aquela ocupação que dá trabalho para a Defesa Civil em dias de muita chuva, muito vento, de escorregamento de terras, de queda de árvores.

Em 2017, eu e meu marido engrossamos esse enorme contingente de pessoas que procuram em Caraguatatuba a felicidade. Colocávamos um ponto final naquela sensação de que, por toda a vida, estivemos no exílio. Voltávamos para o que consideramos nossa terra. Digo nossa porque sou carioca e ter o pé em qualquer areia litorânea é estar em casa.

Doce ilusão. Como turista, todos os fins de semana, estávamos na praia Martim de Sá, no famoso Canto Bravo, de areia morna e ondas agitadas. Mas, morando em Caraguá, continuei trabalhando como jornalista e, ironicamente, passei a frequentar muito menos a praia. Com a pandemia, nem é preciso dizer que tudo ficou pior. Penso duas vezes até para abrir o portão e colocar o lixo na calçada.

O que me deixa intrigada é que, nesse período de quarentena, durante os dias de feriado, vejo pelo noticiário o congestionamento de carros trazendo turistas, escuto na madrugada os turistas vizinhos com música nas alturas e risadas de descontração.

Será que conseguem se divertir mesmo sabendo que morrem mais de 4 mil pessoas por dia de covid-19? Será que vale a pena colocar a vida da família e a sua própria vida em risco para passar um feriado onde o céu tem mais estrelas? Será que as pessoas não entendem que a pandemia um dia vai acabar e que as palmeiras e as flores e a areia e o mar ainda estarão esperando por todos nós?

 

> Márcia Regina de Paula é jornalista (MTb nº 20.450/SP) há 37 anos. Mora em Caraguatatuba há quatro anos, depois de ter vivido por 28 anos em São José dos Campos.