Foto / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Sou membro de um minúsculo grupo de WhatsApp pomposamente chamado “Churras”. Não mais que cinco ou seis casais em que a maioria parece obedecer a uma única cláusula do estatuto: ter mais de 60 aninhos. Os “véios” eram 100% até recentemente, quando foram incluídos alguns beirando os 50, acho que para dar um gás –oxigênio?– ao grupo.

O interessante é que o grupo “Churras” não fazia um churrasco há uns quatro anos. Primeiro, por pura preguiça ou problemas da idade; depois, com a pandemia, porque cada um foi hibernar na sua toca e de lá não saía nem com reza braba.

Indo direto ao ponto. Há uns dez dias, o nosso líder natural –afinal, antiguidade é posto e ele é o menos jovem–, proclamou:

– Vamos assar uma carninha no feriadão!

A proposta até que era boa. Uma terça-feira, época entre uma variante e outra do coronavírus, eleição definida, ainda não chegou o Natal, vontade de rever pessoalmente os velhos –velhos mesmo– amigos, ou seja, vamos nessa, galera.

Cada um do grupo consultou a agenda para ver se não tinha médico, exame, pequena cirurgia marcada, se não estaria tomando antibiótico, se já não estava agendado no DCTA, enfim… finalmente parece que a grande maioria estaria livre, com exceção de um trânsfuga que preferiu ir com a patroa comer torresmo e galinha caipira em uma roça lá do sul de Minas.

O grupo festejou com “hip urras”, “alvíssaras” e “joinhas” e tudo indicou que desta vez o tal “churras” ia sair. E assim foi. Ao meio dia de terça-feira começaram a chegar os convivas. Também começou o choque de realidade entre os nossos churrascos de 30 anos atrás e o atual, quase no fim da linha que leva às sopinhas insossas de um futuro próximo.

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Primeiro choque. Surgiram três saladas de folhas e legumes, indicando que velho quando pensa em churrasco coloca a salada como prioridade. Quanto às bebidas, preferência às cervejinhas puro malte, bem escolhidas para não dar ressaca, ou vinhos para os mais requintados. Houve um louco –da ala jovem– que resolveu levar uma garrafa de saquê e preparou algumas caipirinhas. Pronto: alguns velhinhos e velhinhas vibraram com a transgressão e, como a antiga juventude transviada, encomendavam suas caipirinhas como se estivessem fazendo algo de ilegal e excitante. E bebiam meio escondidos…

Vamos às carnes. O churrasqueiro bem que tentou, mas nós já não éramos mais os mesmos. Antes, não havia carne que chegasse. Agora, cada um beliscava algumas tirinhas e continuava babando nas saladas, no arroz, na farofa e em outros acepipes variados.

Legal mesmo foi quando, já alegríssimo, o grupo resolveu que queria cantar e espantar os males para bem longe. Aí entrou na parada a nova geração, formada pelos filhos do grupo de experientes. É claro que uma jovem cheia dos paranauês tecnológicos teve que bancar a DJ no celular dela porque ninguém tinha paciência para mexer nessas coisas modernas. “Meu Deus, onde é que eu vim parar!?”, ela deve ter pensado quando começaram a surgir os pedidos: Bee Gees, Johnny Rivers, Beatles e outros nomes que nem eu me lembrava que existiram.

Em seguida, um mergulho fundo, bem fundo, na MPB, com Elis, Gal, João Bosco, Clara Nunes e por aí afora. Detalhe: quase todos já no andar de cima. A menina e os outros dois ou três jovens presentes nos olhavam e ouviam com caras de decepção e constrangimento. É claro que não só eles, porque o saquê, os vinhos e as cervejas tiveram o poder de aumentar rapidamente o volume das vozes. Pode-se dizer que pelo menos o quarteirão inteiro nos ouviu nitidamente.

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Foi assim que passamos cerca de cinco horas, alegres, joviais, sem dores nas costas, sem enxaquecas, como se fôssemos jovens novamente. É claro que não faltaram os pequenos discursos, as velhas lembranças, os “causos” já inúmeras vezes repetidos, as risadas estridentes e as fatídicas propostas de “precisamos fazer isso mais vezes”. O balanço geral foi muito bom, mostrando o quanto somos diferentes dos jovens que já fomos. Não houve nenhuma briga, ninguém foi embora antes com cara emburrada, ninguém foi carregado para o carro, ninguém vomitou, nada foi quebrado, sobrou comida, as louças foram lavadas, o lixo foi para o lixo separado entre orgânicos e recicláveis e nenhum vizinho ligou para o 190. Ou seja, um “churras” típico da terceira idade.

O que é? Não ficou convencido de que fizemos um churrasco de velhos? Então eu vou dar o tiro –epa! que linguagem fora de moda– de misericórdia. Pensei em usar uma foto do encontro, que estávamos esperando há cerca de quatro anos, para ilustrar esta crônica. E pasmem, arregalem seus olhos, fiquem espantados: ninguém, absolutamente ninguém, fez uma selfie, uma foto do grupo ou um vídeo do nosso churrasco.

E agora? Ficou convencido de que eu participei de uma confraternização com os amigos da “melhor idade”? Pois é. Mas confesso a vocês que estou ansioso para o nosso próximo “churras”. Tem que ser logo, quem sabe daqui a uns dois ou três anos…

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 47 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 21 anos.

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