Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“Quando a China acordar, o mundo tremerá.” Segundo o sabidinho Google, a frase foi dita em 1816 por Napoleão Bonaparte. E não é que a China acordou e, de certo modo, o mundo treme com a sua pujança?

Pois é, a frase veio à minha mente em uma comparação descabida, mas útil para o que eu quero dizer nesta crônica: E quando a Vila Ema acordar? O que vai acontecer?

O fato é que um dos bairros mais importantes da cidade está despertando de um sono profundo nos últimos dias. Um sono que o deixou meio ao-deus-dará da atenção do poder público. Afinal, segundo o senso comum, o que poderia querer um bairro que já tem tudo?

Só que não. Tanto a Via Ema quanto bairros que fazem limite com ela, como Jardim Maringá, Vila Adyana, Jardim São Dimas, fazem parte do que se convencionou chamar de “centro nobre” de São José dos Campos, mas nem por isso tem todos os seus problemas resolvidos.

O despertar da Vila Ema começou há cerca de 15 dias, após um grupo de moradores começar a se formar no WhatsApp sob a iniciativa da moradora –e participante da política local– Patrícia Borges. Rapidamente, atraídos pelo boca a boca –ou seria pelo clique a clique?– moradores e moradoras começaram a comentar dezenas e mais dezenas de problemas da Vila Ema.

O principal motivo de queixas, que pode ser considerado o grande estímulo ao crescimento do grupo, chamado de “Moradores Vila Ema”, é um estabelecimento noturno instalado desde fevereiro na avenida Heitor Villa-Lobos, a principal do bairro. Os membros do grupo dizem que o pequeno comércio é uma adega disfarçada de bar. Já os proprietários do B&B Drinks se defendem dizendo que são um bar e algo como “assemelhados”, conforme consta na sua inscrição junto à prefeitura.

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O grupo “Moradores Vila Ema”, assim como qualquer outro grupo nas redes sociais, é meio bagunçado, anárquico e cansativo. Opiniões radicais, xingamentos, demonstrações de força, briguinhas entre os próprios membros tornam o espaço às vezes cômico, às vezes trágico. Mas o que ninguém pode negar é que a Vila Ema está acordando. E vem com sede de mudanças.

Além das queixas de excessos cometidos por bares e outros comércios noturnos no bairro, desfilam pelo grupo os mais diversos problemas: falta de segurança, trânsito caótico, asfalto ruim, árvores destruindo calçadas e impedindo a passagem das pessoas, carros e motos em alta velocidade com escapamento aberto, mau cheiro na rede de esgoto, pedintes e moradores de rua etc. etc., as reclamações –e sugestões para solucioná-las– parecem não ter fim. Acredite, até de latido de cachorros há quem reclame.

O resultado de toda a insatisfação do que se supõe ser a grande maioria dos moradores da Vila Ema não demorou a surgir. Vejamos alguns:

– A prefeitura cassou o alvará de funcionamento do B&B, que recorreu à Justiça e continua funcionando graças a uma liminar até que haja uma decisão final.

– Foram executadas três operações de trânsito –mais conhecidas como comandos– na Heitor Villa-Lobos, duas por iniciativa de Guarda Civil Municipal (GCM) e uma pela Polícia Militar, esta última após os líderes do grupo irem até o comando da PM acompanhados do deputado estadual Dr. Elton.

– Antes disso, o secretário municipal de Proteção ao Cidadão, Bruno Henrique dos Santos, se reuniu com moradores em um condomínio na avenida para ouvir as queixas e também para dizer o que a prefeitura tem feito a respeito delas.

– Em uma reunião no majestoso escritório político do Dr. Elton, ficou decidida a criação de uma associação de síndicos de condomínios do bairro. Ao mesmo tempo, ficou prevista a criação de uma associação de todos os moradores e uma outra formada por comerciantes.

– Na terça-feira que vem, dia 15, será a vez do prefeito Anderson Farias receber uma comissão de moradores que irá lhe entregar um abaixo-assinado contendo as principais reivindicações.

Ainda em dúvida quanto ao despertar da Vila Ema? Acho que não, certo? Nas postagens do grupo constam mobilizações de todo tipo, como o fortalecimento do programa Vizinhança Solidária, a participação no Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) e outras ações. Sobrou até para a Savema (Sociedade Amigos da Vila Ema, Jardim Maringá e Adjacências), que não estaria cumprindo o seu papel de defender a comunidade.

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É claro que toda essa intensa atividade terá repercussões na política local. A começar pela líder do “Moradores Vila Ema”, que já foi candidata a vice-prefeita, deputada federal e, tudo indica, não vai parar por aí. Tem também o já citado deputado Dr. Elton, que estaria de olho na próxima eleição para prefeito. Existe ainda, é claro, o interesse do atual governo em resolver os problemas porque isso também gera votos.

Até o vereador Fernando Petiti, tradicionalmente conhecido como “vereador do bairro”, parece estar sendo afetado. Tem sido considerado ineficiente –e até omisso– por boa parte dos integrantes do grupo.

Da minha parte, posso relatar a experiência que tenho vivido à frente deste SuperBairro, que nasceu para “cobrir” os assuntos de interesse dos bairros da região central e outros da região oeste que formam, no meu modo de ver, uma espécie de “cidade dentro da cidade”.

Pude testemunhar nesse período uma certa falta de vontade de participação dos moradores quando se trata de defender os seus interesses. Isso ficou bem explícito quando a Vila Ema e o Jardim Maringá foram surpreendidos pela chegada de novos prédios residenciais, a chamada verticalização.

Em entrevista ao SuperBairro, o secretário de Urbanismo e Sustentabilidade da prefeitura, Marcelo Manara, questionado sobre a mudança na lei de zoneamento, que pegou a população desses bairros de surpresa, disse mais ou menos o seguinte: quando o projeto da nova lei foi discutido em toda a cidade em audiências públicas, parte da população brigou pelos seus interesses, mas ninguém da região da Vila Ema participou.

O secretário está coberto de razão. O pessoal do Jardim Esplanada discutiu ruidosamente a questão do comércio no bairro; moradores de bairros mais novos foram lá reivindicar melhorias; até os ameaçados moradores da antiga favela do Banhado, hoje Jardim Nova Esperança, se mobilizaram. E a Vila Ema, nada. O resultado, como diz minha neta, foi o famoso “perdeu, playboy”.

É por essas e outras que o fato de parte da Vila Ema acordar do sono profundo em que estava mergulhada deve ser comemorado. Vai haver excessos? Vai. Serão cometidos alguns erros? Serão. Mas tenho certeza de que, ao longo do tempo, o bom senso vai prevalecer e os direitos da maioria –e também de algumas minorias– serão respeitados.

Agora a Vila Ema acordou. Esperemos que não volte a dormir.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

 

*Texto atualizado às 21h26 do dia 9/8/23 para revisão ortográfica e de estilo.

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