Foto / blog Dentro da Noite/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

− Domingo é Páscoa, Zezinho, você já se confessou para comungar? Tomar umas e outras no sábado de aleluia você sabe, não é?

A patrulha católica da tia Filoca sempre foi cerrada. Tudo bem, cumpro os ritos e obrigações sem discutir, o que me importa é a essência do cristianismo: a ressureição, vida eterna, após a caminhada ao encontro de Deus, desde que a cumprir os mandamentos principais.

Lembro-me bem, em São José dos Campos de 1964, minha mãe policiava nosso desempenho católico, fazendo com que fôssemos à missa na Igreja de São Dimas, do saudoso Padre Ernesto.  Na época, pisando no barro, da Santa Clara até lá. O sacerdote faleceu centenário, após anos a erguer incansável a bela catedral de São Dimas. Admito que essa obrigatoriedade não nos fazia muito religiosos.

Religião à parte, no entanto, a advertência azeda da tia azucrinava bem –todos nós ouvimos essa cobrança desde criança, muita vez acompanhada de um croque ou cascudo, agora inaceitável. Para os mais jovens, croque era aquela pancada superdoída, desferida com o nó dos dedos, mão fechada, no cocuruto da infeliz criança.

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Entretanto, como é fácil falar e difícil escutar! Nós todos ouvimos pouco ao longo da vida, porém falamos muito. Mas, escutamos igualmente carradas de asnice o tempo todo, notícias falsas e grosserias em alto grau, tanto da mídia como dos outros. Vamos combinar, como se diz, nossos ouvidos não são penico para nele despejarem tanto dejeto.

Aliás, o padre era amigo dos meus sogros e frequentava ocasionalmente a casa deles.  Certa feita, muitos anos atrás, episódio curioso foi quando alguém da família deu carona ao padre Ernesto, que ia também para Santos. Lá chegando, na orla da praia, o bondoso padre pediu para parar o carro, tirou os sapatos, a batina, ficou de calção e correu para tomar banho de mar. Sem dizer mais. Voltou molhado, porém tinha uma toalhinha providencial na mala. Não se espante, gente, padre é como nós e tem direito a um banhinho de mar esperto. Imagine o espanto e certo escândalo dos familiares, mas tudo bem. Outros tempos.

Grande parte das pessoas ia à Igreja da Matriz, do padre João, posteriormente cônego, a mais frequentada naquele início dos anos 1960, os joseenses moravam nas imediações. Quase todos. Hoje ficou relegada a um segundo plano, diante do crescimento gigante da cidade e certa decadência do Centro velho de São José, ora em interessante processo de revitalização.

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O padre João era um santo, todavia, bravo e conservador, homem de seu tempo. Na igreja, a exemplo de outros lugares, homens de um lado, mulheres do outro. Roupas de mulher sem mostrar nada, além do indefectível véu na cabeça e eventual terço na mão. Usar vestido, se não muito curto. Advertia no início: “mulher de carça comprida não pode entrar na igreja”, nunca! Arengava todas as missas. Homens na ala da esquerda, mulheres na direita. Nada de decotes.  Se ele visse como é agora…

A tia Filoca igualmente não dava trégua:

− Eu fui uma vez àquela missa da Matriz de São José: o padre diz que era bom, ajudou crianças sem pais, criou muita coisa em favor dos pobres.  Mas todos devem concordar: era bem ranheta aquele benditinho!

Depois disto, vou me confessar, a Páscoa está aí. A tia também.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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