Foto / Adilson de Moraes Neto/Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Antes do Natal, no ano passado, fomos à praia por uma semana, para espairecer um pouco, ainda que com as restrições da pandemia. Na volta, qual não foi a nossa surpresa: um pássaro qualquer fizera um ninho na arandela da garagem de casa.

Confesso, não achei engraçadinho, nem ecológico, nem nada, pensando, desde logo, em expurgar o incômodo. Arquitetei uma boa vassourada no tal ninho, que, de resto, sujou a parede com barro e gravetos, material de construção do invasor.

Porém, passada a surpresa, fomos olhar melhor a residência do bicho, que achávamos ainda não ocupada. Outra surpresa: havia um filhote de passarinho.  Vimos se tratar, provavelmente, de um sabiá, pelo aspecto da mãe, que volta e meia voava até o ninho e ficava nos encarando.

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Fui logo pesquisar na enciclopédia da praxidade, o indefectível Google, e agora posso revelar à maioria: era um sabiá-laranjeira, a mais comum, com um peito cor de ferrugem, um canto bonito, espécie useira e vezeira em fazer ninhos em varandas e alpendres da cidade. Não sem razão, pois com isto evita predadores naturais, embora enfrente o maior predador terrestre: o ser humano. Ironicamente autoproclamado homo sapiens ─eu incluído–, com a agravante de um passado de menino de estilingue.

Assim é que, reprimindo esta vaga lembrança de minha sanha infantil ─e agora impulso defensivo─, repensei o assunto e deixei a vassoura sossegada. Conversei com a minha mulher e resolvemos deixar o filhote sair do ninho naturalmente, em trinta e cinco dias. Lá ficaram os pássaros, não se incomodando nem um pouco com os carros e a passagem de pessoas.

Na realidade, nem pensamos bem no assunto. A ocasião nos influenciou, numa involuntária reflexão. Sim, era dezembro, mês do Natal, a mais importante festa da cristandade. Minha mulher já havia colocado costumeiros enfeites na fachada e no interior, montando a árvore e o presépio, com belas figuras da Virgem, de São José e do Menino Jesus, o filho de Deus ─nascido num berço de palha, numa manjedoura, em casa de outra pessoa.

Como a vida ─eu chamaria Deus─ nos coloca em determinadas circunstâncias, que muitas vezes passam despercebidas, porém delas pode-se extrair algo valioso. Muitas vezes um ensinamento, ensejando um momento para o crescimento interior, não importando a idade, não importando o grau de conhecimento. Isso desde que estejamos alertas, preparados, uma espécie de teste à nossa capacidade de avaliar bem nossos atos diante dos outros ou do mundo.

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Pois bem, esse foi um desses momentos, em que eu quase pus tudo a perder por um instinto infeliz da espécie, salvo, contudo, pelo subconsciente, que trabalhou por nós sem precisar muita conversa.

Neste passo, ressalvo, a antecipar alguma crítica piedosa, que não faço comparações, inadequadas em se tratando de assunto de Deus. Porém a similitude evidente bastou para conduzir à decisão correta.

Filosofices à parte, o fato é que deixamos o ninho e o filhote acabou desocupando o berço naturalmente. Livre, leve e solto, no tempo certo, e eu pude finalmente usar a vassoura.

Ficamos muito satisfeitos com o desfecho, saindo o bichinho a voar, sem nenhuma consciência do que se livrou. O acontecimento acabou refletindo ─acredito agora─ num Natal emocionante e feliz, embora restrito, o que agradecemos a Deus.

Não é que, passados uns dois meses, sempre que saía de casa notava, nas árvores da rua, o bendito sabiá-laranjeira observando minha garagem, de olho ─imagino─ em uma nova instalação?

Alguém sugeriu: retire as arandelas.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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