Foto / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Outro dia vi-me acordado de madrugada. E quem disse que agarrava o sono? De jeito maneira! Virava para os lados. Nada. Dei de pigarrear e pensei: antes que acorde a mulher vou me levantar e rabiscar um “causo” que prometi para o meu amigo jornalista. Ele só vai precisar enredar e amarrar. E saí, meio zonzo, para o teclado do computador, na sala. O relógio marcava 4h15.

Corriam os anos 1960. Eu tinha 13 anos, perto de completar 14. Mundo por descortinar e sem preocupações, saía da meninice para entrar na juventude, começada aos 15, como se sabe. Portanto, eu não era mais ingênuo e estava “me achando”, como se diz modernamente.

Então morador numa avenida em Santana, zona Norte de São José dos Campos, ocupava as manhãs no banco da escola. À tarde fazia a tarefa escolar e alguma outra incumbência de minha mãe. Brincava, porque, como disse, guardava dentro de mim um pouco de menino. Gostava de jogar futebol no terrão à margem do Paraíba, à tardinha. Era beque, do tipo que quando não mata, aleija.

Sumi um tempo do campinho, o que até minha mãe percebeu. Fazia os deveres, tomava um banho, punha uns panos melhores e pirulitava para a casa do tio Quim, na mesma avenida onde, em outra casa no grande terreno, morava seu genro, o Toninho da Graça. Como as visitas ao tio eram frequentes, minha mãe quis saber:

– O que tanto você faz na casa do Joaquim?

– Ouço os casos que ele conta e vejo TV com os primos na casa do Toninho, respondi.

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Balela! O que minha mãe não sabia é que eu arrastava as asas para uma moça que tinha me correspondido na missa. Sabe onde morava a paquera? Vizinha do tio Quim! A assiduidade era assanhamento.

Depois da missa troquei breves palavras com a beldade, que tinha minha idade. De vivos olhos azuis e cabelos cor de mel, era como anjo de beleza e formosura. Não por acaso chamava-se Angélica.

Eu ficava no portão da casa do tio, e ela, no dela. Trocávamos olhares, acenos. Bobices. Ela devia temer a mãe que, severa, não queria ver a cria nas garras de um esperto gavião. Por isso a menina só saía de casa acompanhada da irmã mais velha.

Benedita, a irmã, era alta e magra como pau-de-virar-tripa. Seu corpo retilíneo emprestava-lhe leveza, mas feio era o andar balançante e desconjuntado. Tinha um olhar fulminante, capaz de apagar uma pira, sendo-lhe mais fácil minar a chama vacilante do meu cachimbo.

Decidido a levar adiante aquele affair –nem que para consagrar uma boa amizade– tratei, certa vez, durante o footing na praça, de convidar Angélica para a matinê no feriado do meio da semana. Ela assentiu, mas deveria falar com a irmã. Eu nem sabia o título do filme em cartaz, que não tinha importância.

Antes de a praça esvaziar-se por causa de uma brusca mudança de tempo, recebi da irmã o aval, e combinamos. Eu esperaria em frente ao então Cine Palácio, na praça Afonso Pena. Fui embora apressado. No caminho a chuva caiu. Fiquei ensopado, mas feliz.

No dia antes ajustado, vesti a melhor roupa, borrifei-me de perfume, peguei um táxi e fui. Ela chegou em seguida, bonita, num vestido de cores vivas e alegres. Tinha a companhia da irmã e do namorado desta. Comprei os ingressos, a pipoca e entramos.

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Sentamos num lugar que ajuizei de melhor visualização. A irmã ficou com o namorado na mesma fileira, alguns metros depois do corredor. Achei bom, por isso desliguei o desconfiômetro. Um erro crasso!

Apagadas as luzes, ajeitei-me na poltrona e fiquei atento à telona. Filme por começar, o canal 100 já tinha exibido o que de melhor acontecera entre Vasco e Bangu, pelo Campeonato Carioca, com narrativa dramatizada ao som de “Na Cadência do Samba”, de Luiz Bandeira; o lanterninha providenciara assentos para os retardatários quando, de repente, vejo vir em minha direção o vulto de um espigão. Será o Benedito?, quis saber dos meus botões. Era a assombração da Benedita que, num excesso de zelo, viera sentar-se entre mim e a irmã, para queimar o meu filme.

Assisti ao filme (e continuei) com o burro amarrado. Depois, no táxi para casa, Angélica quis saber se tinha gostado do filme. Adorei, respondi secamente. E fui embora para não mais procurá-la. Mineira como eu, soube meses depois que tinha voltado para Juiz de Fora, sua terra natal.

Essa história puxei pela memória. Exceto o meu, outros nomes e lugares são de minha imaginação. Mineiro de Patrocínio, não minto e nem aumento. Me chamo José Reis da Rosa, mas pode me chamar de Zé da Léa.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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