Angela viveu por cerca de 40 anos na região da Vila Ema. Foto / Arquivo da família

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

WAGNER MATHEUS

Há uma semana, na terça-feira (15), faleceu uma das moradoras mais fiéis ao estilo de vida da Vila Ema. Durante cerca de 40 anos, Angela Blanco Gomez viveu entre a rua Jorge Barbosa Moreira (mais de 30 anos), o Jardim Maringá (cerca de dois anos) e a rua Madre Paula de São José, mais recentemente.

De família espanhola que chegou há muito tempo a São José dos Campos, Angela tinha duas irmãs, Juana e Helena. Juana, arquiteta, fez carreira na política e no serviço público, tendo sido secretária municipal de Planejamento e, depois, de Educação. Faleceu em 2013. Helena vive na cidade.

A trajetória de Angela também passou pelo serviço público. Além de ser professora de espanhol, ela exerceu durante muitos anos funções ligadas ao setor cultural do município. Atuando pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo, trabalhou junto ao Teatro Municipal, à Igreja São Benedito e ao Museu Municipal, que está instalado no prédio da antiga Câmara, na Praça Afonso Pena.

Apego aos sobrinhos

Angela não teve filhos, mas passou a vida rodeada de crianças, no caso, duas gerações de sobrinhos. O advogado Alexandre Blanco é o mais velho deles. “Minha tia sempre foi uma segunda mãe para a gente, sempre com alegria e sorriso fácil, amou e ensinou muito a todos os seus sobrinhos e sobrinhos-netos, com muita dedicação e carinho”, resume.

O estilo de Angela, segundo Alexandre, fez com que ela tivesse um apego especial pela Vila Ema. “Na maior parte da vida ela não teve carro, gostava do bairro porque tinha tudo por perto, supermercado, padaria, bares, restaurantes…”, explica. “Ela percorria todos esses lugares a pé, ia até o centro da cidade a pé, gostava de viver assim.”

No dia 15 de junho, Angela Blanco Gomez morreu, aos 65 anos, depois de uma doença do sistema respiratório. No mesmo dia, Emanuel Fernandes, ex-prefeito do município e ex-deputado federal, escreveu uma homenagem à cunhada. O texto segue abaixo.

Angela em uma de suas “funções” preferidas, com a segunda geração de sobrinhos. Foto / Arquivo da família

Emanuel homenageia Angela Blanco Gomez   

Concebida na Espanha e nascida no Brasil, ela era uma típica espanhola brasileira. Da terra dos touros e touradas, herdou a veemência das discussões de seus pontos de vista (“contesta-me” ao invés de “vamos debater”). Tal como o touro investe na capa vermelha, ela investia contra qualquer argumento com o qual não concordava. Estufava a veia do pescoço, ficava toda vermelha e debatia com fervor. Mas tinha o lado brasileiro de, ao fim da discussão, baixar a guarda e tentar ressaltar o que nos une ao invés de o que nos divide.

Como família, era agregadora. Mais ainda como tia. Era exemplar: ficava com as crianças quando íamos viajar, levava os sobrinhos a passear, inclusive em programas tais como visitar o Zoológico em SP, fazer programas “culturetes” etc. Era tão tia que mais parecia uma segunda mãe. E gostava disso. Parecia que ser tia era seu ofício. Tanto isso é verdade que quando nasceram os netos ela desempenhou o papel de tia-avó com igual empenho e dedicação. Ainda mais quando a avó (sua irmã Juana) morreu. E fez isso também com os filhos das amigas. Exemplar!

Mas no que a Angela era mais exemplar foi na militância política. Eu a conheci no começo da minha militância, no final da década de 70. Ela tinha as três qualidades essenciais para se exercer a política com P maiúscula: honestidade pessoal e de propósitos; esforço e dedicação na discussão dos problemas visando a construção coletiva de proposições; e atuação perseverante para ampliar essas proposições.

Tudo isso proporciona o que eu denomino de “cumplicidade ética na missão”. Ela era exemplar nisso: sabia que a política é uma construção coletiva. Exerceu isso durante todo esse tempo. Em particular na política de SJC. Ela era o exemplo de militância pelo bem da missão. Sem nunca postular, como era usual na militância, qualquer cargo político ou função partidária.

Muito do que nós construímos de desprendimento na militância política dessa época inicial se deve ao exemplo da Angela. Essa sua postura exemplar em muito ajudou a construir os valores de que hoje o Brasil se ressente (com honrosas exceções). Esse é o seu legado para todos aqueles que querem atuar com honestidade, discernimento e ação coletiva necessários à construção de um país melhor: o desprendimento para um futuro melhor.

Hoje, 15/06, durante o seu velório, eu fiquei bem triste. Fiquei com saudade do passado em que a gente tinha uma espécie de “saudade” do futuro que viria. Uma pena! Vai com Deus, Angela!