Minha avó Rosa afirmava que meu avô João Allas é o abaixo e à direita! Foto / Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Eu encasquetei em produzir uma crônica bem atual sobre os arredores onde este portal de comunicação faz cobertura: a zona nobre de São José dos Campos. Observei que ultimamente, nas “madrugas” de frio de anestesiar os dedos e o nariz, em pleno covid-19, pessoas têm ficado em pé, atravessando a noite, mãos com latinhas de cerveja, na calçada da Padaria 9 de Julho, que fica na avenida 9 de Julho, na Vila Adyana.

Gente bem-apessoada com seus casacos e botas chiques em meio a mendigos passando frio e a pedir dinheiro, comida, cerveja e cigarro. Dias atrás, aproximadamente uma e meia da manhã, eu no local, encontrei a amiga cantora que mora em Francisco Xavier. Sand estava envolta de amigos e muito descontraída. Foi um encontro ótimo! Nos seguramos para não rolar um abraço de “saudade, amiga!”.

“Madrugas” em frente à Padaria Nove de Julho. Mas não dei sorte. Foto / Vana Allas

Ela, sempre festeira, disse que a alternativa tem o lado positivo de agrupar pessoas e até conseguiu fechar trabalhos musicais no local. Já meu vizinho da rua da frente, Major Vaz, o ator e diretor da King Produção Personagens Vivos, Wallace Busquirolly, ficou lá conversando comigo. Está com bastante saudade de um local melhor adaptado.

–– É seguro, sempre aparece a polícia militar, mas confesso que estou aqui por falta de opção –, afirmou.

Senti as pessoas com saudade do abraço, da conversa solta e da “noite vai ser boa, de tudo vai rolar”!

Pronto! Isto que você leu acima seria o tema da crônica. Só que a jornalista esquecida aqui, foi ter esta ideia na manhã da segunda-feira. E para veicular este texto no SuperBairro, precisava da “bendita” foto horizontal –em jornalismo, imagem horizontal é quase uma lei!

Fui lá na noite da segunda-feira e nada… tudo bem, segunda é dia que ninguém vai querer ficar bebendo na rua, a congelar. Na quarta-feira, cheguei lá umas 22h até 1 e meia. Ansiedade… só grupinhos “pingados” que tomavam uma cerveja ou só paravam para conversar e logo iam embora. Resultado? Uma imagem que contradiz completamente com o que tem rolado por lá a partir das quintas-feiras. Acho que as pessoas deixaram para sair ontem e hoje que, por coincidência, é dia 9 de julho de 2021 –feriado da Revolução Constitucionalista.

“Deadline” estourado, nervosa, “apelei” e fiz uma gravação de áudio para o editor-chefe deste veículo, Wagner Matheus:

–– Oi, Mestre! Seguinte… blá, blá, blá… falta a foto! É inverno, é covid-19, tá difícil “cronicar” sobre coisas pitorescas e lugares alternativos. Tá todo mundo entocado até quinta-feira! –acho que consegui abrandar a “fera”.

Chego em casa com a cabeça completamente vazia de uma segunda ideia de crônica. O que a gente faz nesta hora? –“Mããããeee”, me ajuda! Me dá uma ideia porque a tal da 9 de julho já era… “Mami” fala com sua voz suave e um portal se abre!

–– Filha, por que você não fala que seu avô foi voluntário paulista na Revolução Constitucionalista?!

Meus tios Marilda, Roberto, Teresinha (de vermelho), André (direita) e meu pai Vandir (de azul) em frente ao túnel entre Cruzeiro e Passa Quatro. Foto / Arquivo da família

Aqui, querido(a) leitor(a), começa a segunda crônica…

Corro para o meu pai e peço para ele gravar como foi essa história… porque eu ouço ele contar há anos, mas teria que checar! Imagine errar sobre a história da minha própria família! Ficaria acabada e ferrada pelo resto da vida!

“Só sei que foi assim”, segundo meu pai: meu tio André Allas Neto (que faleceu recente e precocemente de covid-19), tinha nove anos e trabalhava cortando jornal para embrulhar carne, em um açougue de São Paulo. Isto foi 22 anos depois da revolução. Ele encontrou um encarte com mapa do estado de São Paulo alusivo a uma certa guerra. Achou bonito e levou para casa.

Quando foi mostrar o encarte para minha avó Rosa Turíbio Allas, ela viu uma foto de alguns soldados em um túnel e imediatamente reconheceu meu avô:

–– Este à direita é o pai de vocês!

O meu avô chegou a mudar sua certidão de nascimento para aumentar a idade e se alistar como voluntário. Meu pai, pastor Vandir Allas, conta que ele e seus quatro irmãos não acreditaram na minha vovozinha… tadinha! Mas ela completou:

–– Como não iria reconhecê-lo se nesta data ele tinha 17 anos e nós já namorávamos!

Meu pai afirma que meu avô sempre comentava que lutou em um túnel, mas não sabia a região. Foram muito mal preparados para a guerra, jogados em um trem, deixados naquele local e ficaram ali perdidos com suas armas em punho. Meu avô também contava sempre que do outro lado ficavam mineiros.

Um detalhe que meu pai me disse ontem é que meu avô sempre gostou de mineiro, mas quando tomava seu pilequinho acabava soltando sua mágoa, pois naquele túnel perdeu amigos pelas balas dos mineiros.

Muito tempo se passou. Em 1985, eu com 12 anos, viemos morar nesta cidade! Meu pai leu uma crônica no jornal ValeParaibano, do Dr. Altino Bondesan, sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, em que ele contou uma curiosa história da “Bica D’Água”, entre Cruzeiro e Passa Quatro, na serra da Mantiqueira.

O fato escrito no jornal documenta que jorrava uma farta bica d’água próximo do túnel, no lado de São Paulo. Quando os mineiros, do outro lado, precisavam de água, amarravam um pano branco na ponta de um galho e com baldes levavam água. Os paulistas consentiam!

Dias após a leitura, quando nós fomos visitar meus avós em São Paulo, meu pai ouviu da boca do meu saudoso avô João Allas, com grande emoção, a mesma história. Então meu pai disse:

–– Eu já sei, pai, onde você lutou! –e relatou o que havia lido no jornal.

Fala sério, meu amigo(a), que história mais linda e forte! Eu me sinto honrada em ser neta de um herói voluntário da Revolução Constitucionalista de 1932. Para terminar, só um resuminho para você, que talvez não saiba de nada disso…  Foi um movimento armado iniciado em 9 de julho de 1932, liderado pelo estado de São Paulo, que defendia uma nova Constituição para o Brasil e atacava o autoritarismo do Governo Provisório de Getúlio Vargas.

Bom feriado para você e muita saudade para nós aqui!

 

> Vana Allas é jornalista (MTb nº 26.615), licenciada em Letras (Língua Portuguesa) e pós-graduada em Filosofia da Comunicação. É autora do livro “Vale, Violões e Violas – Uma fotografia do Vale do Paraíba”. Mora na Vila Icaraí.