Foto / Arquivo Municipal de Caraguatatuba

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Gosto de pensar que Caraguatatuba é uma cidade de gente solidária. Uma vez ouvi isso de uma caiçara bonita e corajosa e, desde que vim morar aqui, em 2017, tenho obtido provas de que, de fato, o caraguatatubense é um ser solidário.

Esta semana vi a notícia de que o Fundo Social de Solidariedade do município recebeu a doação de 500 cestas básicas de um condomínio da região Norte daqui. As cestas serão distribuídas para famílias afetadas economicamente pela pandemia de covid-19.

Um grande supermercado e uma escola, em maio, também fizeram uma grande doação de alimentos, o que, na soma, permitiu que o Fundo Social entregasse mais de 2 mil kits de alimentação aos que mais precisam.

Solidariedade, altruísmo, generosidade, tudo isso é bonito de ver, principalmente em tempos difíceis. E essa cultura da solidariedade nasceu em Caraguá em um dos tempos mais difíceis já vividos pela cidade.

Foi em março de 1967, quando um gigantesco deslizamento de terras matou aproximadamente 450 pessoas e deixou cerca de três mil pessoas desabrigadas. Mais de 30 mil árvores deslizaram das encostas dos morros que cercam a região.

Até a rodovia ficou soterrada, deixando a cidade ilhada por três dias, sem energia elétrica, sem comunicação. A única forma de mandar mensagens era por meio de um rádio amador.

A tragédia é lembrada anualmente até hoje, sempre de forma solene, marcada por relatos comoventes da época, por fotos antigas que merecem destaque no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba.

Do saldo trágico, foi gerado o embrião da Defesa Civil no estado de São Paulo, que não existia antes da catástrofe. Mas de tudo isso, o que felizmente resultou foi a solidariedade que se renova a cada ano por meio dessas fotos e reportagens antigas e do que nos contam os sobreviventes.

No ano em que cheguei aqui, exatos 50 anos depois da tragédia, no mesmo mês de março, novo escorregamento de terras, após uma semana de intensas chuvas. Dessa vez, sem mortes, mas o trauma de reviver todo o drama bateu forte no coração do povo daqui.

Eu tinha três meses de trabalho na Secretaria de Comunicação da Prefeitura e tive a oportunidade de acompanhar a Defesa Civil e diversas secretarias na prestação de socorro às pessoas atingidas e também na retirada de pessoas das áreas de risco.

Para os desabrigados, a população enviava de tudo: água potável, colchões, roupas, alimentos. Gente que não tinha o que doar aparecia para ajudar. Alguns chegavam com carros e camionetes para transportar as doações. E foi assim que, logo de cara, vi o quanto esse povo pode ser solidário.

Em outras ocasiões, pude testemunhar a mesma prontidão das pessoas. Uma vez cheguei a acompanhar discussões sobre o que fazer na Campanha do Agasalho, quando os depósitos de roupas do Fundo Social já estavam repletos de doações bem antes do inverno.

O jeito foi destinar a campanha para doação de fraldas geriátricas, roupas de cama e cobertores para os idosos. E adivinha? A turma solidária estava lá, sempre atendendo às necessidades mais urgentes da cidade.

Os 450 que, em 1967, não puderam ser salvos, deixaram em cada um de nossos corações uma vontade imensa de nunca mais ver alguém sofrer por tragédia nenhuma. E digo “nossos corações” porque não tem nada que me dê mais orgulho do que fazer parte de um grupo que tem em seu DNA a nobreza da solidariedade.

 

> Márcia Regina de Paula é jornalista (MTb nº 20.450/SP) há 37 anos. Mora em Caraguatatuba há quatro anos, depois de ter vivido por 28 anos em São José dos Campos.