O medo é tanto de pegarem suas coisas, que a calopsita Pitica dorme juntinho. Foto / Arquivo pessoal

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Minha mãe tem um jeito pra lá de especial com os animais. Desde que eu me conheço por gente venho presenciando a dona Zulmira realizar verdadeiros milagres, tanto no que diz respeito à saúde dos bichos, como no adestramento.

Quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, me lembro que um cachorro nosso perdeu uma das patas traseiras na linha do trem. Quando uma vizinha avisou o que tinha acontecido minha mãe correu até lá, pegou o cachorro e cuidou dele. O danado não só ficou ótimo, como ela o treinou para ser meu guarda-costas, já que eu adorava dar uns rolês na rua e, quando isso acontecia, ele saia no meu encalço, me pegava pelo braço –sem machucar– e me trazia de volta. Pode isso, produção?

E não foi só esse cachorro que ela ajudou a tirar da portinha do céu. Leão, nome de um cachorro que eu adorava quando era adolescente, ficou muito doente. O diagnóstico do dono da casa de ração –onde os pobres levavam seus bichos para passar em “consulta”– era o de que nada mais poderia ser feito. Indignada com aquela resposta, minha mãe virou-se para mim e falou: deixa comigo, ele não vai morrer. Me lembro até hoje do sorriso besta e desacreditado na cara do dono do comércio.

Chegando em casa ela correu preparar o que eu chamo de “poção mágica”, uma mistura de remédios e chá, que eu ajudava a dar na boca do cachorro duas ou três vezes ao dia. Parecia que não ia dar certo porque ele não reagia, só ficava deitado, sem querer comer. Porém, alguns dias depois desse tratamento intenso, fomos surpreendidas com seus latidos na porta da cozinha, reclamando por comida, feliz, com o rabo balançando. Claro que fui passear com ele até a casa de ração e devolver o sorriso besta que eu havia recebido. Eu sei, eu era uma adolescente muito gente boa…

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Adestrando os bichos

Outra proeza da minha mãe é em relação ao adestramento dos bichos. Ela é simplesmente fantástica nesse quesito (até que…). Entre os vários cachorros que tivemos, um deles, da raça pequinês, não suportava coleira e nem guia. Nós tínhamos nos mudado para perto do Hospital das Clínicas, em São Paulo, com ruas muito movimentadas, e minha mãe saía todos os dias para passear com o cachorro e passar umas horas com meu pai na loja que ele tinha. Pois ela ensinou o cachorro a andar juntinho e só atravessar nos semáforos quando estivessem fechados.

Um belo dia, eu estava voltando com o tal cachorro da loja, onde fazia uns bicos ajudando meu pai, passei direto pelo semáforo e continuei andando. Quando olho para baixo cadê o cachorro? Parei e fiquei procurando já entrando em modo desespero, quando um homem, que era dono de um comércio na rua, me fala: seu cachorro está parado no semáforo, te esperando. Tome, esperta! Voltei até o semáforo morrendo de vergonha e eu juro que o cachorro parecia estar me julgando pela falta de noção.

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Mas outra das grandes proezas da minha mãe –com certeza– era fazer com que os periquitos falassem (até que…). Todos os que ela teve falavam e andavam soltos pela casa. E não eram periquitos dessa ou daquela raça, não. Eram periquitos-australianos, conhecidos como periquitos-comuns, daqueles verdinhos, amarelos, azuis, brancos. Todos que ela teve (um de cada vez), levaram o nome de Pitico ou Pitica, era ela quem decidia o sexo, de acordo com a carinha do bichinho. Quando, infelizmente, acontecia alguma coisa (voar pra fora de casa ou morrer), a gente tratava logo de arrumar outro e ela, de novo, ensinava o danado a falar e até mesmo a fazer coisas mais elaboradas.

Certa vez, em visita à minha mãe, estava sentada no tapete da sala, brincando com um dos Piticos. Eu jogava a bolinha de papel e ele ia buscar de volta. Sim, igual cachorro. Acabei me distraindo com um assunto na televisão e fiquei com a bolinha na mão. Pouco tempo depois eu ouço a pequena ave –de asas abertas– gritando: é minha, é minha, é minha! Soltei o papel sem pestanejar.

Ele pegou a bolinha e saiu em disparada pra não brincar mais. Me levantei devagarinho, sentei no sofá e fiquei olhando aquela criaturinha andando toda cheia da razão e pensei: como a minha mãe conseguiu fazer isso? Sim, porque ele não estava sendo uma ave de repetição, ele me questionou e depois não quis mais brincar. Como assim? (Uma pena eu não ter fotos desses fofos).

Acumuladora compulsiva

Pitica com o seu atual objeto de adoração. Foto / Arquivo pessoal

Mas, o mundo mágico da dona Zulmira estava com os dias contados. Depois de tantos cachorros e periquitos dando verdadeiros shows, quando ela nem pensava mais em ter um bichinho, ela chegou: Pitica, uma calopsita que nunca fez e não faz nada do que a minha mãe manda.

Dona de um gênio forte, ela faz o que quer, na hora que bem entende e se era uma ave que tinha tudo para falar, nunca quis saber disso. O máximo que ela faz é cantarolar uma música e gritar pra chamar a minha mãe, caso ela não esteja no mesmo ambiente.

Pior do que isso –muito pior– é que a danada é uma acumuladora compulsiva. Se ela gostar de alguma coisa que a minha mãe esteja usando, não tem conversa, ela não descansa até que o objeto esteja em seu poder. E tudo tem que ficar próximo da sua gaiola, que na verdade só serve pra ela comer e dormir, porque vive solta pela casa.

Imagine que ela já fez minha mãe tirar as sapatilhas que estava usando para sair, simplesmente porque se apaixonou por elas. Também já pegou um pano de prato que a minha mãe tinha acabado de fazer o bico de crochê e levou para a gaiola. Depois de um tempo, ela até chega a liberar alguns objetos pelos quais perdeu o interesse, mas enquanto isso não acontece, esquece…

Atualmente, ela anda apaixonada por um par de pantufas e um peso de porta em formato de um sofazinho. Esse final de semana, quando estive na casa da minha mãe, ela cantou muito e jogou mil beijos para o sofazinho. E quando a gente fala pra minha mãe se ela não vai pegar as coisas de volta, ela simplesmente responde: não, é da Pi.

Portanto, se a gente pegar alguma coisa da Pi (apelido da Pitica), prepare-se porque ela vai voar pra cima, com tudo. O problema é saber o que é de quem naquela casa, tamanha a compulsão daquela ave pelas coisas da minha mãe. O conselho que eu dou para quem vai fazer visita é: não mexa em nada antes de perguntar se é da Pi; se for e se você já mexeu, corra!!!!

Adote

> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.

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