Foto / Ansemp/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Já percebi aqui no SuperBairro que quando falamos de sindicatos, de luta por salários e direitos trabalhistas, o leitor parece se irritar e desprezar o assunto. Isto em um país cuja economia tem vivido aos trancos e barrancos há muito tempo, com quedas de PIB (Produto Interno Bruto), aumento do custo de vida e altas taxas de desemprego.

As pessoas se comportam como se todos fossem empresários ou vivessem de renda, como se ninguém vivesse de salário. Noto que a grande maioria tende a achar que a melhor coisa da vida é patrão e empregado se entenderem cara a cara, caso a caso, demanda a demanda.

Desculpe quem pensa assim. Mas nada mais tolo. É evidente que está faltando há tempos no Brasil uma presença mais forte dos sindicatos de trabalhadores. São eles que negociam pela categoria que representam, fortalecidos pelo número de trabalhadores envolvidos nas reivindicações apresentadas ao empregador. Afinal, a força, nesse caso, é o coletivo, o individual só perde, só enfraquece o todo.

Um exemplo dessa rejeição que a sociedade tem hoje pelos sindicatos ocorreu na semana passada com o movimento dos servidores da Prefeitura de São José dos Campos, que anunciou a intenção de paralisar as atividades. A notícia pareceu incomodar às pessoas, como se fosse um estorvo gente na rua lutando por seus direitos, como se uma greve fosse atrapalhar as suas vidas.

Parece que ninguém mais pensa com a cabeça de antigamente. Ninguém para um pouco para refletir se o movimento dos servidores é justo, há quanto tempo não têm reajuste ou ao menos a reposição salarial do que a inflação “comeu”.

–– Ih, lá vêm eles de novo – reclama a madame, mesmo que não se lembre de quando foi a última manifestação de sindicato a que assistiu.

–– Só espero que essa gente não queira parar o atendimento no Paço Municipal, quem eles pensam que são? – vocifera o sujeito que precisa entrar com um processo para defender o seu direito junto à Prefeitura.

–– Essa “cambada” de comunistas só quer promover anarquia e viver do dinheiro do trabalhador – dispara o “espertão” convertido pelas teorias neoliberais.

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O patrão aplaude

É claro que os patrões batem palmas para essas reações da sociedade. Afinal, que coisa mais chata e antiquada essa de trabalhador reivindicar salário maior, mais direitos, mais renda para manter sua família. No mundo moderno, acham eles, o mercado regula tudo. Quem for competente vai ganhar bem, quem não for, que dê graças a Deus de não ser posto na rua.

Não é só o caso dos servidores municipais, que é citado aqui mais pela atualidade. Você, se ainda tiver a “sorte” de ser empregado, registrado direitinho na CLT –a “antiquada” Consolidação das Leis do Trabalho– puxe pela memória e diga há quanto tempo não tem aumento real de salário, qual foi a sua última promoção, qual foi a última vez que o seu reajuste, se é que existiu, venceu a inflação real.

Digo que quem tem registro em carteira, hoje em dia, é “sortudo” porque existe uma massa gigantesca de “privilegiados” que estão fora da CLT e trabalham de acordo com a “modernidade” das regras do neoliberalismo. São os chamados “pejotas”, que ao final do mês emitem uma nota fiscal para receber seus salários. E têm ainda os que pura e simplesmente não estão cobertos por esta “bobagem” chamada “vínculo empregatício”, estão completamente à margem da lei.

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A dura realidade

Não sei exatamente a partir de quando o brasileiro deixou de se orgulhar da sua condição de empregado, jogou a CTPS (Carteira do Trabalho e Previdência Social) no fundo de uma gaveta e foi convencido a pensar como uma espécie de autoempresário, um patrão dele mesmo, porém submetido à vontade e às regras do verdadeiro patrão, aquele que deveria registrá-lo, mas não o faz.

E aí surgiu aquela maracutaia de argumento garantindo que o brasileiro é um dos povos mais empreendedores do mundo. O discurso fala de garra, vinte horas de trabalho por dia, a família toda trabalhando junto, cursos e mais cursos de qualificação, Sebrae ajudando, governos estimulando. Que papagaiada…

Ora essa, o brasileiro não é um dos povos mais empreendedores do mundo. Simplesmente, é obrigado a fazer das tripas coração para sustentar a família e fechar as contas do mês sem ficar tecnicamente falido. A cada dia uma incerteza, a cada mês um sufoco e a cada ano a certeza de que alguém não está falando a verdade sobre esse tal de empreendedorismo.

Ah, é claro que fazem parte da propaganda deste “brazilian way of life” as chamadas “histórias de sucesso”, gente que saiu do nada para entrar na lista dos vencedores, os campeões dessa espécie de corrida de espermatozoides rumo ao calorzinho gostoso de um útero que, infelizmente, estará reservado a uns poucos, enquanto milhões serão derrotados.

Eu me recordo de ter, há alguns anos, “profetizado” que o emprego padrão em São José dos Campos deixaria de ser o cargo especializado na indústria –General Motors, Embraer, Johnson & Johnson etc.– e passaria a ser o de caixa das Lojas Americanas. Infelizmente eu tinha razão.

O sujeito entrava, lá nos anos 80, como um profissional semiespecializado na indústria e, ano após ano, ia conquistando frutos do seu trabalho, como o automóvel, a casa própria, a faculdades dos filhos, o sitiozinho e, ao final, uma boa aposentadoria.

Hoje, dá graças a Deus quando abre um novo supermercado na cidade e anuncia “700 novas vagas” que serão avidamente disputadas por gente formada em tudo o que é curso superior. Mas as vagas são de caixas, repositores, conferentes, motoristas, assistentes, ajudantes, seguranças etc.

Nada mais chocantes que as cenas que eu tenho presenciado, ano após ano, depois da invenção desse Brasil “muderno” que os espertos anunciam como a salvação do país. Gente que suou durante pelo menos quatro anos para pagar a faculdade de mais de R$ 1 mil por mês –muitos se afundando no Fies do governo– e depois de formada ser apresentada ao primeiro emprego na “carreira” com um salário de menos de R$ 2 mil para até 10 horas de trabalho por dia, muitas das vezes incluindo o sábado. A maioria, é claro, sem nenhum direito trabalhista, mas ostentando o ridículo título de “pejota”.

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Sindicatos, sim

Acho que já deu, não é? Já deu para perceber que, assim como diz a letra da canção-tema do filme “Bye Bye Brazil”, sucesso de Cacá Diegues no combalido cinema nacional, “eu vi um Brasil na tevê”, mas o Brasil real é outro.

E aí, já chegando ao final desta choradeira, vou bater novamente na tecla da necessidade que temos da existência de sindicatos e da birra que os brasileiros têm tido dessas entidades que foram criadas para defender o interesse dos trabalhadores.

É claro que precisamos de sindicatos. É claro que devemos apoiar a atuação deles e torcer para que consigam sucesso no seu papel de representantes de quem vende a sua força de trabalho diante de quem compra esse trabalho.

É claro, também, que os sindicatos devem sair dessa vida de esquecer o trabalhador para se tornarem um apêndice de partidos políticos de esquerda. E aí, caro leitor, chegamos ao ponto. Os sindicatos têm sido rejeitados porque eles mesmos rejeitaram primeiro o trabalhador para tratá-lo como um simples eleitor. E estão pagando o preço desse crime que cometeram.

Está na hora de mudar esse quadro. Você sabe porque:

– salários a cada dia mais baixos, com exceção de algumas poucas categorias ligadas a negócios da “moda”;

– reformas da previdência que, uma após a outra, só tiram direitos de quem trabalha;

– condições de trabalho a cada dia mais precárias e sujeitas ao único interesse do empregador;

– políticas econômicas incompetentes que só penalizam a população com altas taxas de desemprego e inflação, além da falta de um projeto de futuro para o Brasil e os brasileiros.

Portanto, sejam bem-vindos os sindicatos, todo o apoio a eles. Ocupem as ruas, defendam o trabalhador. E chega dessa brincadeira de “empreendedorismo barato” no Brasil.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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