Vida noturna na Vila Ema. Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Gosto de morar em um dos bairros considerados polo de atração da vida noturna na cidade. Bares, restaurantes, cafés, docerias, sorveterias, tem de tudo aqui no eixo Vila Ema, Jardim Maringá, Vila Adyana, Jardim São Dimas etc. Melhor que isso: além do que já existe, muitas novidades chegam a cada dia.

Na rua do Serimbura (Maringá), uma hamburgueria atrai gente de todas as idades com hambúrguer –óbvio– temperado com um ambiente inspirado na milenar civilização egípcia; na vila Adyana, em frente ao Parque Vicentina Aranha, chegaram dois bares com cara de botecos chiques que vivem cheios. E por aí vai. Entre ótimas opções e outras nem tanto, o certo é que ninguém deixa de se divertir nesta região da cidade.

Mas –porém, contudo, todavia–, ao mesmo tempo que o bairro atrai gente disposta a curtir um pouco a vida depois de trabalhar o dia e/ou a semana inteiros, tem o outro lado. É o lado de quem se sente atraído por toda essa galera que vem comprar, comer e beber por aqui. São os vendedores ambulantes de tudo o que você imaginar, são os rapagões fortes e saudáveis vendendo balinha a dois reais, são os pedintes, são os vendedores de loterias… ai, ai, ai…

Comecemos pelos ambulantes. Alguns têm talento dramático. Tem um casal de jovens que se aproxima radiante de felicidade e o rapaz encaixa o discurso: “Oi, nós nos amamos muito e pretendemos nos casar. Por isso estamos vendendo esses queijos e doces. Você vai ajudar a gente a realizar nosso sonho?”. E tome embalagem na sua fuça…

Tem uma senhora que encosta à mesa e fica cinco, dez minutos com uma ladainha que parece ser um papo bacana, mas também parece ser uma estratégia de vencer você pelo cansaço.

Tem um moço –hoje já não tão moço– que eu acompanho há uns 10 anos. Nesse tempo todo ele faz bonequinhos com farinha de trigo dentro. Comprei no início, para ajudar, mas ele nunca alterou o seu produto. Um dia, dei um banho de farinha na minha neta quando o bonequinho estourou.

Outro caso foi o de mãe e filha que iam toda sexta à noite vender trufas para a menina poder fazer um intercâmbio no Exterior. Um dia, a mulher vem com uma menina diferente, diz que aquela primeira realizou o sonho e que agora era a vez da outra… rs.

Quem frequenta a região também deve estar acostumado com crianças –algumas não têm 10 anos de idade– que são trazidas pelos pais –serão mesmo os pais?– para vender nos bares noturnos. Uma dessas famílias é formada por cerca de oito a dez menores que fazem uma “invasão” conjunta da qual é difícil escapar.

Mais vendedores? Sim… de cocada, queijos de Minas, sacos de lixo, balinhas de goma, amendoim, apostas de loteria com os jogos feitos… a lista é longa.

PUBLICIDADE

Passemos então aos pedintes. Temos para todos os gostos –e desgostos. Começamos com os moradores de rua que se concentram nos lugares mais frequentados. Pedem diariamente, semanalmente, de dia, de noite, com uma regularidade impressionante. Alguns levam seus cachorrinhos com eles, sentam-se no chão e por lá ficam.

Nada a ver com o personagem deficiente visual que imita pássaros ou cantarola para todos ouvirem. No final do dia, segue animado com sua arrecadação, cantando um “hit” de despedida. Queiramos ou não, o ceguinho é tradição da Vila Ema e, além do mais, faz parte de uma categoria de pedintes históricos. Que Deus o ajude.

Tem também as senhorinhas com suas roupas quase típicas, seus lenços cobrindo os cabelos, sua fala chorosa. Vendem os famosos paninhos de prato. Uma delas às vezes se esquece e já faz o pedido de uma vez: leite, uma mistura, pó de café, açúcar e o que mais lhe vier à cabeça. Esta velhinha me pediu outro dia uma caixa de bombons. Pela sinceridade, ganhou…

Vou encerrar a descrição dessa tribo paralela, que convive com as tribos de frequentadores da região, com um grupo ainda mais complicado: as mulheres que levam crianças de todas as idades para acompanhá-las na dura rotina de esmolar. Ao mesmo tempo em que mexem profundamente com os sentimentos da maioria, essas mulheres causam revolta –pelo menos em mim– porque usam suas crianças para esfregar na cara da “burguesia”, como se a sociedade fosse culpada por alguma coisa que elas não fizeram, tipo estudar, trabalhar, dar duro na vida.

Outro dia vivi uma espécie de “dia de fúria” quando uma moça desse grupo entrou onde eu estava começando a tomar cerveja –era um sábado, por volta de 13h, mereço, puxa vida– com uma criança de colo e uma menina aparentando dois anos de idade. Ela me pediu comida. Fiquei, ao mesmo tempo, comovido e revoltado. Depois de dar uma bronca nela, iniciei um périplo atrás de comida para ela e seus dois filhos.

Como o estabelecimento onde eu estava não tinha comida simples a preços populares para dar à moça e a seus filhos, levei o grupo até o centrinho do bairro onde comprei duas marmitex grandes: feijoada da boa. No caminho, ela me revelou que vem de Caçapava e confessou que nunca procurou uma Prefeitura, nem de lá e nem daqui. É de família de ciganos. Ou seja: daqui a dez anos, vai estar pedindo do mesmo jeito. E, o que é de cortar o coração, daqui a uns 15 anos, a sua filha tem tudo para estar pedindo do mesmo modo.

PUBLICIDADE

Bom, acho que você vai concordar comigo que o problema social não tem solução a curto prazo. As prefeituras orientam a nunca dar esmola –nem mesmo para crianças famintas e usadas pelos pais. Mas, se você chamar pelo Apoio Social, virá uma equipe em uma kombi, vai conversar com a moça, ela vai dizer que não quer seguir com eles e vai ficar tudo na mesma até o próximo episódio.

Então vamos pensar no que os bares, restaurantes, padarias, supermercados etc. etc. podem fazer por quem frequenta os seus estabelecimentos. Seria difícil impedir a entrada de pessoas que não são clientes e circulam por lá exatamente para tirar alguma coisa dos clientes? Será que as pessoas que vão almoçar, beber, ouvir música, enfim, exercer o seu direito de consumir o que ganharam com trabalho, não podem ser protegidas do assédio de vendedores, pedintes e espertalhões?

Tem quem diga que é preciso respeitar o direito de ir e vir. Outros falam que é uma judiação não atender essas pessoas. Outros ainda, que é preconceito. Ou que você não pode fechar os olhos para os mais necessitados. Mas o certo é que todos tiram o “##” da seringa e dizem que não é com eles.

Se fossem tão solidários assim, bares e restaurantes já teriam algo pronto para doar a esse exército que faz até fila para poder assediar você. As prefeituras já trariam em suas kombis alguns kits de lanches, passagens de ônibus ou dariam uma carona para o pessoal; supermercados teriam alguns gêneros para amenizar a necessidade desse povo.

A Prefeitura, por sua vez, cuida muito bem do direito de ir e vir nos parques Vicentina Aranha, Santos Dumont, Parque da Cidade e todos os demais prédios e espaços controlados pelo município, onde ninguém –eu disse ninguém– pode entrar para pedir ou vender.

Fica uma advertência a todos que estão ligados a essa estrutura de lazer, gastronomia e turismo concentrada aqui neste “centro novo” da cidade. É preciso olhar o lado do cliente, ao invés de deixá-lo refém de todo tipo de gente que, infelizmente, está em busca de ajuda. Caso contrário, pode chegar o dia em que você prefira a pizza ou o churrasco em casa em lugar de enfrentar a “selva” onde as feras estão à espreita e a caça será você.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

 

>> Texto atualizado às 20h28 do dia 23/5/23 para revisão ortográfica e de estilo.

PUBLICIDADE