“Uma jornalista, um dia, me perguntou: ‘Qual é a sua perspectiva?’. Eu disse: ‘A minha perspectiva é o fracasso. Porque se eu não fracassar é porque eu aderi ao sistema’.” A frase é do padre católico Júlio Lancellotti.
Eu não sou de esquerda, não sou de direita, tento me definir como um social-democrata, mas no final vejo que tudo isso é insuficiente para nos classificar como cidadãos. É pouco. Não significa muita coisa.
Sabe por quê? Acho que o que nos define como seres humanos é o tipo de contribuição que temos a dar para melhorar a sociedade. A direita faz uma melhoria? Ponto para ela. A esquerda faz? Ponto para ela. E por aí vai.
Só que não é isso o que acontece no mundo globalizado e, eu diria, imbecilizado em que nós vivemos hoje. Antes de achar que eu me defino como um esquerdista/socialista/anarquista romântico, pense bem: todas as ideologias deveriam buscar o bem comum, da extrema-esquerda, passando pelo centro e chegando à extrema-direita. Todas. Se não tiverem esse propósito, elas não têm por que existir.

A frase de autoria do padre Júlio Lancellotti está no vídeo de uma entrevista em que ele comentou este tema. Clique [aqui] para ver mais. Não sei se as afirmações de Lancellotti foram feitas antes ou depois da punição aplicada pelo arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer. Não sei.
Mas o que sei é que a frase do padre escancara a luta que muita gente trava contra as injustiças que atingem tantas minorias que vivem em nosso país: negros, indígenas, homossexuais, moradores de rua, dependentes químicos, portadores de transtornos mentais e tantas outras que a sociedade vê como um estorvo.
A tragédia brasileira não se limita às minorias, ela chega a atingir uma maioria identificada pelo próprio IBGE: as mulheres. Estas, em um país pouco alfabetizado e altamente misógino, sofrem a cada dia mais como vítimas de abusos que remetem ao feminicídio, pouco investigado e ainda menos punido.
Quando o padre Lancellotti fala de fracasso, certamente ele também fala do tratamento que as crianças carentes recebem da sociedade. Com raras exceções –me parece que São José dos Campos, com a sua Fundhas (Fundação Hélio Augusto de Souza) é uma delas–, as crianças são separadas entre aquelas que irão “dar certo” e aquelas que irão “dar errado”.

Este é um dos maiores crimes que cometemos contra seres humanos que nasceram de ventres sem status pré-definido e que, por isso mesmo, deveriam poder atingir dos mais baixos aos mais altos graus de sucesso, mesmo que venham de realidades sociais e econômicas completamente diferentes.
Dizem aí que a punição da Igreja Católica ao padre Lancellotti foi aplicada por causa das suas posições de “esquerda”, o que não acontece com padres e outros religiosos católicos que divulgam ideias de “direita”. Penso que isso é problema do Vaticano.
Quanto ao padre Júlio Lancellotti e aos demais religiosos que defendem e trabalham pelos menos favorecidos, não importa as crenças que professem, têm todo o meu apoio.
Os politicões, os teóricos, os milionários da fé, continuam, infelizmente, a enganar as multidões e, nos períodos de campanha eleitoral, manter os hábitos infernais da velha política.
Por isso, viva o padre Lancellotti!

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 50 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 24 anos.



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