Não viro nem bem a esquina, aqui em São José dos Campos, quando me deparo com a figura da tia Filoca. Surpresa. Ela mesma, a querida e rabugenta tia, que costumava visitar somente a minha casa, vinda de São Paulo.
– Ei, tia, o que faz por aqui, não me avisou que vinha! Faz meses que não a vejo! Ao que me respondeu algo excitada, contando uma estorinha por inteiro:
– Sabe, Zezinho, na verdade eu queria fazer uma surpresa, antes passando no comércio para lhe comprar um mimo.
“Você não sabe, andei tão ocupada que não tive nem tempo para ligar para você. Resolvi sair um pouco de casa e acabei indo para a Europa dar um giro de quinze dias. Nem lhe conto. Já a viagem de avião, de doze horas, me desanimou. Primeiro no aeroporto: você sabe como adoro essas modernidades. Depois de gastar uma nota no estacionamento abusivo, fui embarcar. Tudo certo? Não, tudo errado! Perdi tempo demais.
Lá, no imenso salão, aeroporto lotado, a muito custo consegui que me dissessem para ir a um ‘totem de check-in’. Era um mero aparelho automático. Uma mocinha enjoada me mandou ficar na fila que ela ia etiquetar a mala, depois eu passaria no balcão. Discuto certo tempo com a moçoila e vou para o balcão cheio, passando num labirinto de fila –tipo vai e vem, sem preferência pra ninguém– em vinte minutos mais despachei a mala, no limite do peso. A cada dia diminui o limite.
Entro na porta de embarque, não sem antes pular outro labirinto de fila, suspendo a fita e vou para o temível raio-X. Tira isto, põe aquilo na cesta, sapato, cinto, bolsa, celular, chaves, casaco e o escambau. O portal apita na passagem e toca revista pessoal –tem até aparelho pra isso agora!– você fica propriamente em posição de x; como não bastasse, uma estaferma passando um aparelho e apalpando à vontade! Um mico! Enfim, saí dali, fui ao guichê do passaporte, estava livre!
Livre? Não tanto, nem pensar que eu iria passar em branco no famigerado ‘duty-free’ sem comprar uns perfuminhos!

Quando chego à frente das salas Vips, qual delas? Fiquei confusa com os aplicativos antes instalados, bilhete na mão, celular na mão, passaporte na mão, mochila de bordo nas costas, bolsa no ombro, onde achar mesmo a inscrição prévia nessas salas? E tinha duas. Após outros vinte minutos só nisso, brigando com as raparigas que atendiam nas portas, entro na bendita sala.
Estava lotada, encontrei a duras penas uma mesinha para quatro, coloquei tudo em cima pra não dividir com ninguém, não sem antes empurrar um casal e um idoso. No balcão não fico, sou idosa, gente! Tudo de olho num painel que indicava meu voo. Para resumir, diante de inacreditável fartura consumi apenas uns salgadinhos, engoli um suco, já não dava mais tempo para nada. Que raiva!
Mas onde fica o portão de embarque naquela imensidão do aeroporto? Pergunta aqui, olha placa ali, após uma pernada boa, pensei que estava indo a pé pra Europa. Ao chegar, uma fila pior que a do SUS. Uma lambisgoia de uma passageira olhou no meu cartão e decretou, com olhar enfadado: a senhora tem de entrar lá no fim da fila. Desconfiei, fingi caminhar para lá e fui para o portal, pedindo licença ao povão aglomerado, mais umas cotoveladas certeiras.
Aí, dei de louca para a moça-chefe do portal, mostrando uma cara sofredora, quase desmaiando: – Sou preferencial noventa mais, minha filha, já estou me sentindo mal, não sei qual fila que pego. – Não deu outra, fui a primeiríssima, pulei todo mundo, o populacho invejoso e raivoso lançando farpas nos olhares de ódio, alguns comentando. Fingi que não era comigo.”
Aí não aguentei e interrompi o relato:
– Tia, tem dó, você não agiu corretamente, sei que estava difícil, mas tinha de observar a ética, ser menos arrogante. Olha a empatia!
Contudo, ela não se deu por vencida:
– É porque não foi com você, Zezinho. Assim que entrei naquele túnel doido até a entrada do avião fui caminhando toda lampeira, mas no fim, totalmente estressada, suava a bicas, sem forças. Desanimei por completo ao ver a carantonha da aerovelha na porta do avião. Neste momento já adivinhei como seria meu voo, conto depois. Mas, pelo que vi no aeroporto, posso dizer ao mundo com segurança:
Não viajo mais!

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.


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