Economistas brasileiros preveem que tarifas devem derrubar preços e afetar setores estratégicos da economia brasileira; Lula promete usar lei de reciprocidade contra os EUA
DA REDAÇÃO*
A imposição de tarifas comerciais de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos (EUA) significará, na prática, um fechamento de mercado entre os dois países, com impactos em setores industriais estratégicos, com reflexos em empregos e também nos preços de alimentos. A avaliação é de especialistas consultados pela Agência Brasil, que divulga notícias do governo federal.
Em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na quarta-feira (9), o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que as sanções passam a valer a partir do dia 1º de agosto.
“Do total das exportações do Brasil, cerca de 15% vão para os Estados Unidos. Mas é importante destacar que é sobretudo produto manufaturado e semimanufaturado. Se isso se mantiver, nós vamos ter desemprego no Brasil, vamos ter uma diminuição da entrada de dólares no país e isso é muito grave”, aponta o professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Nacional dos EUA (Ineu).
Produtos mais afetados
Petróleo bruto, minério de ferro, aço, máquinas, aeronaves e eletrônicos estão entre os produtos mais exportados do Brasil para os EUA. Haverá impacto nas exportações da Embraer e também da Petrobras. “A Embraer tem um mercado razoável nos EUA com alguns dos seus jatos, e a Petrobras exporta petróleo para lá. Elas podem dissipar essas vendas para outros países, mas trata-se de encarecer o mercado mais importante de todos, que é o norte-americano”, observa Alexandre Pires, professor de relações internacionais e economia no Ibmec-SP.
No setor do agronegócio, açúcar, café, suco de laranja e carne representam os principais itens da pauta brasileira para os norte-americanos. Um dos efeitos colaterais de curto prazo deve ser a queda de preços no mercado interno, especialmente das commodities agrícolas, que deixarão de ser exportadas.
“Toda vez que ocorre algum tipo de fechamento, mesmo quando é autoembargo por questões fitossanitárias, por exemplo, os preços caem, como foi o caso da carne. E é provável que isso aconteça, seja com carne, suco de laranja e café”, destaca Pires.
Ele projeta uma pressão das elites econômicas afetadas por uma negociação rápida para a reversão das tarifas, porque o pior cenário seria a manutenção das sanções por um tempo prolongado. “Quando falamos de tarifas, ainda que elas sejam reduzidas, imagine seis meses, um ano ou mais nessa situação. O problema vai ser, depois, retomar de volta esses mercados”, aponta.
O fluxo comercial dos dois países tem um volume de cerca de US$ 80 bilhões por ano. Ao considerar a balança comercial (exportações menos importações), os Estados Unidos mantêm superávit de US$ 200 milhões com o Brasil, ou seja, exporta mais do que importa.
Para Alexandre Pires, a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros está, na média, 25% maior do que a que Trump aplicou sobre outros países, o que teria relação direta com a dimensão política do episódio. “Esta tarifa contra o Brasil apresenta vários componentes, efeito STF, efeito Brics, efeito regulação das redes sociais. E, por último, supostas razões comerciais de reciprocidade tarifária”, opina.
A decisão de Trump contra o Brasil ocorre na mesma semana em que Trump e Lula trocaram críticas por causa da realização da cúpula do Brics, bloco que reúne as maiores economias emergentes do planeta, no Rio de Janeiro. Trump chegou a ameaçar os países do grupo com imposição de tarifas comerciais, o que se materializou no caso brasileiro.

Lei de reciprocidade
O presidente Lula afirmou, também na quarta-feira, que a tarifa de 50% dos Estados Unidos será respondida com a Lei de Reciprocidade Econômica. Em rede social, ele defendeu a soberania do país e disse que é falsa a alegação de Trump de que a taxação seria aplicada em razão de déficit na balança comercial com o Brasil.
“As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”, disse Lula.
A lei brasileira, sancionada em abril, estabelece critérios para a suspensão de concessões comerciais, investimentos e obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual em resposta a medidas unilaterais adotadas por país ou bloco econômico que impactem negativamente na competitividade internacional brasileira.
A lei autoriza o Poder Executivo, em coordenação com o setor privado, “a adotar contramedidas na forma de restrição às importações de bens e serviços ou medidas de suspensão de concessões comerciais, de investimento e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual e medidas de suspensão de outras obrigações previstas em qualquer acordo comercial do país”.

‘País soberano’
Lula afirmou ainda que o Brasil é um país soberano “com instituições independentes e que não aceitará ser tutelado por ninguém”. No documento encaminhado ao governo brasileiro, o presidente Trump cita o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, para justificar o ataque ao país. Ele também citou ordens do STF emitidas contra apoiadores do ex-presidente brasileiro que mantêm residência nos Estados Unidos.
“O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”, rebateu Lula.
O presidente brasileiro abordou as críticas de Trump às decisões do Supremo Tribunal Federal contra perfis em redes sociais que praticavam discurso de ódio e divulgavam fake news. Ele afirmou que, “no contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, e discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática”.
“No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas, nacionais e estrangeiras, estão submetidas à legislação brasileira”, destacou.
*Com informações da Agência Brasil.